Se existe um consenso entre os especialistas em combate à corrupção é o fato de que a mera repressão – leia-se, persecução penal – não resolve o problema. Não existe bala de prata anticorrupção, e verdade seja dita, é impossível varrê-la do mapa por completo. Para enfrentar de fato a corrupção é preciso construir reformas estruturais – sobretudo legislativas – e cujos resultados se medem a longo prazo.
O Brasil chegou a caminhar nesse sentido no passado recente. Após o início estrondoso da Operação Lava-Jato, o Ministério Público Federal (MPF) patrocinou em 2015 o Projeto de Lei (PL 4.850/16) das “Dez Medidas contra a Corrupção” que, após receber mais de dois milhões de assinaturas, passou a tramitar no Congresso Nacional por iniciativa popular. Seu fim foi trágico: o pacote de medidas foi destroçado pela Câmara dos Deputados na trágica noite de comoção pela queda do avião da Chapecoense.
A sociedade civil engajada na luta contra a corrupção logo compreendeu que era preciso uma nova investida a fim de propor as reformas que o país precisa de maneira mais enfática – a simples proposição de um projeto de lei, oriundo do MPF, gerava mais apatia do que empatia no Congresso. Assim, sob iniciativa da Transparência Internacional e da Fundação Getúlio Vargas, mais de 300 especialistas se juntaram para subscrever o maior pacote legislativo de proposições anticorrupção do mundo: As Novas Medidas contra a Corrupção.
Nas eleições de 2018, a pauta nacional estava umbilicalmente ligada ao combate à corrupção: Presidente, Governadores e Congressistas foram eleitos fortemente sustentados na retórica anticorrupção e apoiados por uma população ávida por mudanças. Contudo, apenas 45 dos congressistas eleitos eram formalmente comprometidos com as Novas Medidas contra a Corrupção, e, na prática, foi esse o retrato do novo Parlamento brasileiro: a retórica não se concretizou em aprovação de Projetos de Lei. Mas por quê?
O ano de 2019 era a oportunidade perfeita com Executivo e Legislativo recém empossados e com respaldo popular para encarar reformas estruturantes. Boa parte desse esforço, entretanto, foi investido no Projeto de Lei Anticrime (com avanços anticorrupção bastante tímidos e forte pauta armamentista e na excludente de ilicitude), além da Reforma da Previdência. Já em 2020, a pauta nacional foi tomada por inteiro pela pandemia, com poucos avanços legislativos em outras temáticas.
A Câmara dos Deputados até aprovou um PL que dobrava a pena dos crimes contra a Administração Pública praticados por ocasião de calamidade (especialmente relacionada com a COVID-19). Mas esse é o retrato de um parlamento que atua apenas reativamente, não proativamente, e que obviamente não resolve o problema. Talvez por isso o Senado sequer deliberou sobre o assunto, que aguarda tramitação interna.
Hoje, a pauta de combate à corrupção ressoa com avanços tímidos sobretudo por iniciativa persistente da Frente Parlamentar Ética contra a Corrupção. Todavia, apesar dos esforços na apresentação de PLs, não houve consenso para que qualquer destes projetos pudesse ir à votação no plenário das Casas legislativas.
Na realpolitik, é possível dizer que o discurso anticorrupção ficou órfão dos principais campos políticos. A esquerda, historicamente defensora dessa agenda, se viu imersa em escândalos como o Mensalão e a Lava Jato e, ao invés de fazer a mea culpa, transformou o tema em tabu. A extrema direita, por outro lado, deixou de defender pragmaticamente o combate à corrupção após o rompimento do Governo com o ex-Ministro da Justiça Sérgio Moro e após deslizes indefensáveis do Presidente da República nos esquemas de rachadinha dos filhos.
No final das contas, por que as Novas Medidas contra a Corrupção não avançaram no Congresso? A resposta é simples: não há vontade política. Ponto. Se combater a corrupção significa na prática não roubar, não deixar roubar e punir efetivamente quem rouba, nossa classe política é indefensavelmente pró corrupção, ainda que por omissão. Uma dura verdade inconveniente.
* Daniel Lança é Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e Sócio da SG Compliance