Manifestações da esquerda e da oposição contra o presidente Jair Bolsonaro eram de se esperar. Mas da direita? Se esse movimento crescer, ficará mais difícil para o presidente. Pode-se perguntar: por que agora? A coluna foi tirar essa dúvida com o deputado deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), que pressionou, junto com o Vem Pra Rua, pelo impeachment de Dilma Rousseff. Os dois estavam na manifestação do fim de semana contra Bolsonaro. Em conversa com a coluna, o parlamentar destacou que o primeiro motivo seria a organização das forças políticas contra o presidente, tanto a esquerda, quanto a direita. Ele acha que mesmo que o candidato do governo Arthur Lira ganhe na Câmara, não se pode descartar o impeachment.
“Eu acho que o primeiro passo importante foram as forças políticas, os movimentos começarem a se organizar para fazer atos contra o Bolsonaro. A maior parte da população também não via responsabilidade do governo federal na pandemia, uma sensação de que está mudando agora com a crise de Manaus. Está ficando cada vez mais clara a responsabilidade do governo federal. Os partidos de oposição estavam mais preocupados em desgastar o governo aos poucos do que efetivamente tomar uma medida política contra o governo. Agora vejo já alguns partidos de esquerda se mobilizando de verdade para que haja o impeachment. A carreata de sábado foi símbolo disso. Não é a esquerda como um todo, mas setores importantes aí se organizando contra o governo. O MBL e o Vem pra Rua também, do lado da direita, organizando esses atos, então o passo inicial é a organização e a primeira percepção de que é possível, a partir dessa percepção, a organização dos movimentos para que aconteça”, analisou.
Kim Kataguiri destacou ainda que a condução do governo diante da pandemia, gerando o atraso na vacinação, é outro fator que está motivando os atos contra Bolsonaro. Isso porque quanto mais a vacinação da população atrasa, pior é para a economia do país.
“Ao mesmo tempo, um dos principais fatores é a economia. Duvido muito que vai reagir este ano. Primeiro, o atraso na vacinação, muito ocasionado por responsabilidade do governo federal – acho que isso ficou claro até pra todo mundo. Daí até o governo mudar de discurso. Primeiro trazer suspeita em cima da vacina para agora tentar vincular o máximo possível à imagem do presidente da vacina. O próprio Planalto sentiu que pegou no público dele, que é o público que ele se importa, a questão da vacina. A demora [da vacina] já prejudica também o desenvolvimento econômico”, explicou.
O deputado lembrou ainda dos claros sinais de que o governo não vai estender o auxílio emergencial, o que vai aumentar a tensão social contra o governo, além da paralisação da agenda de reformas. “A agenda de reforma está completamente paralisada. E com o Lira ganhando, duvido muito que caminhe também porque é uma prioridade que o governo largou já no ano passado, que este ano não vejo dando continuidade. E mesmo que dê, a reforma que causaria mais efeitos é a tributária, que dentro do próprio governo tem bateção de cabeça, tanto que ⅔ da reforma ainda estão lá [no Governo], e não estão aqui. E agravar a situação econômica é a fórmula certa para um impeachment. Pelo menos foi o que a gente fez das últimas duas vezes e acho que a gente podia ir pela terceira vez”, disse.
A péssima atuação na pandemia, com destaque para a crise de Manaus, e o fim do generoso auxílio emergencial são fatores que estão afetando a aprovação do presidente. Essa queda de popularidade também é um fator que fortalece as chances de impedimento.
“Agora vejo possibilidade real de acontecer, e à época, ainda ali no início do governo, apesar da instabilidade, o Bolsonaro tinha mais… Primeiro que o apoio dele era mais fervoroso porque a base dele era maior, tinha acabado de sair da eleição e ele estava mantendo um discurso forte ainda anti-sistema. Hoje ele está muito mais desgastado pela aliança com o centrão, pela nomeação ao Supremo, nomeação à PGR (Procuradoria Geral da República), a base dele está mais desmoralizada do que antes e menor. Então, acho que agora, primeiro, você tem uma organização maior, uma percepção do que o impeachment pode acontecer, o que na época não existia, era mais discurso pra jogar pra plateia do que resultado e o presidente menos popular. Ainda não tem como derrubar presidente com 27% de popularidade, mas muito menos com 35%, 40%, que ele tinha na época”, ressaltou Kim Kataguiri.
Presidência da Câmara
Apesar das condições favoráveis, um fator que pode brecar o andamento do impeachment é a possível vitória do candidato bolsonarista para a presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ainda assim, na avaliação de Kataguiri, mesmo que ele vença – o que é provável – isso não significa que o processo de impedimento não possa caminhar na Câmara.
“O Arthur Lira é o candidato do governo, ele ganhando, sem dúvida as chances de ter o impeachment diminuem, mas também não acho que seja zero mesmo porque o governo vai precisar entregar os cargos e as emendas que o Lira está prometendo para a sua base de deputados, e ele é um governo que tem o histórico na Câmara de não entregar e o Arthur Lira tem o histórico de sempre retaliar quando não recebe aquilo que prometeu dos aliados para manter a fama de cumpridor dele (…). Não acho que a longo prazo signifique que ele vai ter uma fidelidade que impeça a análise do pedido. Mesmo porque é um cara também que liderou o partido quando o partido foi base no segundo mandato do governo Dilma. Então não é um cara ideológico que vai defender Bolsonaro por princípio”, analisou.
Pedidos de impeachment não faltam para serem analisados. Segundo dados da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara dos Deputados, dos 62 pedidos protocolados, 57 ainda estão em análise. Os outros cinco foram arquivados. Diante desse contexto, é mesmo questão de tempo para saber que fim levará o presidente Jair Bolsonaro.
Dizem que o tempo é o melhor remédio em certas situações. No caso do Brasil, o tempo está mostrando o quão graves foram e são as intempéries, os descasos, os atropelos, as irresponsabilidades e o negacionismo da gestão Jair Bolsonaro, levando o país a um verdadeiro caos. Com o passar do tempo, as coisas ficaram mais claras e até os que tinham dúvidas, ou até mesmo receio, agora começam a se mobilizar para dar força ao impeachment do presidente. A direita, que até então dava apoio discreto, finalmente deu o grito de “Fora Bolsonaro”, engrossando o coro junto com a esquerda e aumentando a pressão para a aprovação do impedimento. Se isso avançar, Bolsonaro ficará restrito à extrema-direita.