Por que o discurso de Moraes foi o mais importante do 8 de Janeiro
O cientista político Rodrigo Silva faz defesa enfática da importância da regulação das redes sociais: o que vale no real tem de valer no virtual
Dos discursos que lembraram o 8 de janeiro, o do ministro Alexandre de Moraes foi o mais importante quando se olha para o futuro: a influência que as redes sociais tem tido para a democracia precisa de atenção. E dentre os temas importantes para o rumo da democracia, não há nada mais fundamental no debate do que a devida regulação das redes sociais. Os exageros das bigtechs precisam ser contidos.
De antemão, aos que possam acusar a discussão de censura à liberdade de expressão, é importante atentar para a última década e perceber a corrosão que disparos em massa, coleta de dados e outras tantas formas de manipulação tem sido usado por empresas como Meta e Google, por exemplo.
O tema é tão espinhoso que vale a pena olhar para exemplos grandiosos como o da jornalista filipina Maria Ressa, ganhadora do Nobel da Paz em 2021, ao lado do jornalista russo Dimitri Muratov.
No livro “Como enfrentar um ditador” Ressa dá uma lição da corrosão das redes nos últimos anos e chama para uma reflexão profunda sobre o tema, que tem a ver com Trump, Brexit, Bolsonaro e tantas outras viradas em democracias de todo o mundo.
Olhar para o exemplo das Filipinas é uma forma de compreender o poder que as redes têm tido sobre os rumos de eleições e por consequência do próprio processo democrático. Os números mostram claramente: os filipinos foram em 2021, pelo sexto ano consecutivo, os que passaram mais tempo na internet e nas redes sociais. Ressa lembra que, já em 2013, foram igualmente os filipinos que, a despeito da baixa velocidade de internet, os que mais haviam baixado vídeos no Youtube. A história é longa por lá quando o tema é redes sociais, o que permite compreender em perspectiva comparada o processo pelo qual temos passado. Os exemplos são variados.
A jornalista expõe – e o próprio Facebook, de acordo com ela, admite – que as Filipinas foram o marco zero do que ela chama de “tenebrosos efeitos que as redes sociais podem produzir nas instituições de uma nação”. Os dados que o portal Rappler possui mostram que desde 2015 as Filipinas funcionavam como fazendas de cliques para as redes sociais. E mais: naquele mesmo ano, um relatório mostrava que a maioria das curtidas que Trump conseguia no Facebook era de fora dos Estados Unidos, e que um em cada 27 seguidores de Trump era das Filipinas.
Tudo isso para dizer que as Filipinas são um exemplo crucial de como tem funcionado o uso desenfreado das redes a fim de propagar e disseminar mensagens de ódio. E a palavra é essa mesma: ódio. Até porque é este o tom propagador máximo nas redes, uma vez que se dissemina mais fácil e em velocidade incomparável. Não foi diferente no Brasil de 2018, tampouco no de 2022 quando o debate já totalmente corrompido foi parar na discussão de valores e transformou adversários em inimigos. Serviu e muito aos que se arvoraram e foram às vias de fato nos ataques do 8 de janeiro. Não será distinto nas eleições de 2024, sejam as municipais brasileiras, as presidenciais americanas ou outros debates que estejam na berlinda.
O mais grave é que tudo isso tem funcionado mediante a cumplicidade de governos que compactuam com essas empresas que dizimam o sistema informacional. É preciso mais do que nunca encarar a situação e entender que estamos diante de um momento crucial, a exemplo de quando criamos órgãos internacionais ou acordos que repactuaram relações entre nações no pós-guerra, por exemplo.
Talvez seja o maior desafio do século XXI porque por ele perpassa todos os outros de que mais necessitamos. É impossível preservar o meio ambiente, a democracia ou passar por uma pandemia – para ficar em apenas alguns exemplos, sem meios e condições para estabelecer a verdade dos fatos, por mais idealista e complexo que isso possa parecer. E as redes sociais não têm permitido isso.
Uso as palavras de Maria Ressa para dizer que precisamos agir e logo. Porque a ausência do Estado de Direito no mundo virtual é e será devastadora para o processo democrático. Ainda há tempo.
* Rodrigo Silva é cientista político e historiador, doutorando e mestre em Ciência Política (UFPR)