Um dos fundadores do canal de humor mais famoso do YouTube, o Porta dos Fundos (já são 240 vídeos e 1 bilhão de acessos), Gregorio Duvivier foi à sua primeira Flip, já como convidado da mesa Poesia & Prosa, que aconteceu na tarde da quinta-feira. Roteirista, humorista, colunista e ator, Duvivier tem também dois livros de poesia lançados e chegou a ser elogiado por Millôr Fernandes, com quem conviveu desde a infância. “Preciso me policiar para não citar o Millôr em todas as ocasiões. Ele é o autor inevitável, de quem não consigo fugir”, disse em entrevista ao blog VEJA Meus Livros.
Você conviveu com Millôr Fernandes e agora participou da Flip que tem ele como autor homenageado. Que tipo de influência ele exerce sobre você? Admiro muito o Millôr. Tive a sorte de conviver com ele e acho que é o maior humorista que o Brasil já teve. Millôr não fazia só humor, como pensava o humor e pensava a sociedade a partir dele. Ele tinha opinião sobre tudo, não havia nada sobre o que ele não discorresse com perfeição e de forma inusitada. O humor tem essa função de revelar o que antes estava oculto por preconceitos ou por verdades adquiridas e o Millôr fazia isso como ninguém. O primeiro texto que li dele, ainda criança, foi A Bíblia do Caos. Li por acaso e aquele livro me revelou o mundo. Preciso me policiar para não citar o Millôr em todas as ocasiões. Ele é o autor inevitável, de quem não consigo fugir.
Seu primeiro livro, A Partir de Amanhã eu Juro que a Vida Vai Ser Agora (7Letras, 2008), foi elogiado por Millôr. Como se sentiu? Foi como receber uma validação, minha legitimação como poeta. De alguma maneira foi como se a pessoa que mais importava para mim dissesse “pode prosseguir, pode continuar”. O Millôr não via a poesia e o humor como partes excludentes. Muitas vezes, o humor é visto como ausência de poesia, como algo duro, mordaz, e a poesia, como algo que não machuca. Mas a poesia pode ser muito afiada e o humor pode estar cheio de afeto e de poesia.
A curadoria da Flip afirma que Millôr deu o tom desta edição, que tem como principal característica a crítica ao poder. Acha que sua mesa foi por esse caminho? Essa programação tem pessoas que incomodam de alguma maneira. Citando o Millôr, ele dizia: “uma coisa é ser o rei dos palhaços, outra coisa é ser o palhaço dos reis”. Essa edição da Flip pode ter muitos palhaços, mas não tem palhaços que se curvam ao poder. A minha mesa foi atípica. Um poeta marginal (Charles Peixoto), uma jornalista corajosa (Eliane Brum) e eu, um humorista e poeta. Falamos de poesia, de sensibilidade e de literatura, mas sem fugir das questões políticas porque nós três temos um engajamento, uma responsabilidade social.
A onda excessiva do politicamente correto atual atrapalha? Não atrapalha. As patrulhas existem de todos os lados, da esquerda, da direita, dos religiosos, dos ateus. Basta não se preocupar com isso. No Porta dos Fundos, temos consciência de que o que fazemos é politicamente responsável. Não pregamos o ódio, a desordem ou o caos. Além disso, todo vídeo é muito discutido, de forma séria, antes de ir ao ar. Cada vídeo que a gente lança é visto 4 ou 5 milhões de vezes. Alguns já chegaram a 15 milhões de visualizações. Já temos 240 vídeos e 1 bilhão de visualizações no canal. Temos de ter responsabilidade.
Vocês se surpreenderam com a dimensão que o Porta dos Fundos tomou? Nós nos preparamos muito antes de lançar o canal. Vínhamos de experiências de TV e de cinema, então sabíamos que era preciso se organizar. Antes de lançar o primeiro vídeo, ficamos seis meses filmando para ter material pronto, contratamos pessoas para não correr o risco de não ter equipe para gravar. O nosso primeiro vídeo já deu a dimensão do que seria. Não fomos pegos de surpresa.