Com menções a Jorge Luis Borges, ataques a Mario Vargas Llosa e viagens pela literatura universal, os argentinos Ricardo Piglia e Alberto Manguel foram os destaques da sexta edição da Festa Literária Internacional de Pernambuco, a Fliporto. A repercussão da passagem de ambos pelo evento não poderia ser menor. Considerado um dos maiores escritores vivos da Argentina, país que tem forte tradição literária, Piglia é autor de livros já clássicos como Respiração Artificial, considerado um dos mais importantes romances da literatura portenha. Manguel, por sua vez, é um leitor voraz, perfil que foi alimentado por sua convivência com Borges, para quem lia em sua cegueira. E, de leitor voraz, tornou-se tanto escritor como crítico e grande conhecedor de literatura. Aqui, ambos se encontram numa breve entrevista exclusiva. A pedido de VEJA Meus Livros, Ricardo Piglia formulou uma pergunta para Manguel.
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Piglia: Que influência tem a tradição da literatura judaica, com textos como a Cabala e o Talmud, sobre a sua produção?
Manguel: Eu não sou crente. O que me interessa não é a religião como seguidor, mas sim a literatura religiosa, por diversos motivos. Primeiro, por causa da Bíblia. Penso que, para qualquer pessoa da cultura ocidental, a Bíblia é um livro fundamental, não se pode ser um leitor coerente sem conhecimento da Bíblia. Depois, pela teologia e pela reflexão que há na tradição judaico-cristã a respeito da leitura e do livro. Por fim, esses textos têm algo de literatura fantástica na confecção de argumentos lógicos e em construções linguísticas que são muito interessantes, e que podemos acessar a partir de certos pontos e dogmas nos quais não precisamos crer para que a discussão nos atraia. Por isso, sou de fato um leitor frequente do misticismo judaico e de autores cristãos como Santo Agostinho, São Tomás, Santa Teresa e São Jerônimo, que é o santo padroeiro dos tradutores e brinda o leitor com argumentos e raciocínios de grande utilidade.
Com Maria Carolina Maia