Convidado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) 2019, que acontece na cidade fluminense entre 10 e 14 de julho, o angolano Kalaf Epalanga se tornou conhecido em seu país por seu trabalho na música – a literatura veio depois –, à frente da banda de kuduro Buraka Som Sistema, em hiato desde 2016. Em seu primeiro livro lançado no Brasil, Também os Brancos Sabem Dançar (Todavia), o músico e escritor mistura suas memórias, ao relembrar o episódio de quando foi detido por chegar, sem passaporte, à fronteira entre Suécia e Noruega, e a história do gênero musical kuduro e da dança quizomba. A VEJA, o autor falou sobre imigração, música e o curioso título de seu livro, inspirado em um ditado angolano:
A prisão narrada em Também os Brancos Sabem Dançar aconteceu há dez anos. Mesmo assim, parece algo muito atual. Você sente que o tratamento mudou? Ou ainda estamos em um período de aversão ao expatriado? Acho que a situação piorou. Principalmente na Europa. Outros países que eram abertos estão se fechando, por razões políticas e sociais. As pessoas estão começando a copiar os piores exemplos, como o caso dos refugiados sírios. Isso está contaminando o mundo todo. É a questão do nosso século.
O título do livro surgiu de um ditado angolano. Qual é o ditado, e qual o seu significado? O ditado diz: “Também os brancos conhecem boas canções”. Traduz-se algo como: “Não podemos julgar ninguém pelas aparências”. O título do livro vem para alertar sobre essa questão. Eu achei que seria melhor mudar o ditado para deixar mais próximo à história do livro dedicado ao kuduro, que tem a tônica da dança. Esse ditado caiu como uma luva.
Não tem medo de que o título incomode pessoas que desconhecem o ditado? Eu sempre achei que a perversidade está mais no olhar de quem vê no de quem mostra. Nunca faria uma provocação tão barata. Embora eu saiba que pode causar esse tipo de interpretação, a última coisa que quero é provocar. Mas até em Angola fui atacado por esse título, o que é engraçado.
Por que escreveu esse livro? Sinto que a maior parte do que sabemos dos países do continente africano é uma coisa um pouco romântica. Queria trazer à luz dos nossos tempos para mostrar que o continente também é afetado pela descrença no sistema político, pelas redes sociais e pela economia. Outra intenção era a de escrever um livro que ajude a gente a se colocar na pele do outro – usando a música, que é um argumento comum a nós todos.
Em uma passagem do livro, você fala sobre o termo “world music” e cita Paul Simon como um exemplo de artista que age como explorador português. Como você enxerga essa busca pela cultura do outro, como feito por Simon, David Byrne e outros? Há lados positivos e negativos. A gente tende a celebrar quando um nova-iorquino vai para a África e descobre a música do Mali e do Congo. Porém, quando o maliano e o congolês fazem isso, não. No entanto, sei que muita gente começou a ouvir o grupo sul-africano Ladysmith Black Mambazo através do disco Graceland (do Paul Simon). Eu adoraria que eles tivessem conquistado a fama por conta própria. Mas eles chegaram, e é isso que importa.
Em seu livro, uma passagem diz: “Todos nós temos algo de valor para partilhar ao mundo”. O que você deseja partilhar? Eu adoraria que as histórias que eu conto sirvam de convite. Ou seja, para fazer alguém ir mais além. E que esse mais além seja pegar um avião e ir ouvir kuduro em Luanda (capital de Angola).
Como se sente por ter sido convidado para a Flip? É uma honra imensa. Eu sou novo no mundo da literatura, então receber esse convite é uma coisa incrível.