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O cabelo e a história

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Por Antônio Xerxenesky
Atualizado em 13 ago 2018, 21h49 - Publicado em 29 out 2011, 09h20

Dando continuidade a uma trilogia sobre a Argentina, iniciada com História do Pranto (publicado em 2008 no Brasil), o escritor Alan Pauls lança agora História do Cabelo (tradução de Josely Vianna Baptista, Cosac Naify, 168 páginas, 45 reais). O autor é mais conhecido no Brasil pelo seu volumoso romance O Passado, que versa sobre relacionamentos obsessivos e artes plásticas, e que recebeu uma adaptação fraca ao cinema por Hector Babenco, que não dá conta das complexidades e nuances da obra literária.

História do Cabelo apresenta diversos estágios da vida de um homem sem nome e sua relação – no mínimo obsessiva – com o próprio cabelo e tudo relacionado a ele. A obsessão, a princípio, pode parecer o resultado de algo fútil ou superficial, mas o narrador constrói, pouco a pouco, uma mitologia tão grande acerca do cabelo e do ato de cortá-lo, que os tufos de pelo na cabeça ganham conotações quase mitológicas. Os diferentes cortes surgem, no início, associados a questões históricas: na época da ditadura, o louro liso é uma marca da burguesia, enquanto o afro, igual ao do grupo Panteras Negras, é um símbolo de revolta. Nas palavras do autor, o afro é um “signo soberano, posto que desconhece os gêneros e uniformiza homens e mulheres”.

O estilo empregado por Pauls em seu novo livro é praticamente idêntico ao de História do Pranto. A história é contada por um narrador em terceira pessoa que está “colado” ao protagonista, tendo acesso aos seus pensamentos e se deslocando não-linearmente por suas memórias. O autor começa parágrafos com frases curtas, que definem o “tópico”, e então passa a utilizar frases longuíssimas, separadas por vírgulas bastante providenciais. A tradutora Josely Vianna Batista foi extremamente cuidadosa na preservação dessa sintaxe peculiar, que compõe um ritmo cadenciado. E qual é o efeito deste estilo? O mais óbvio e imediato é o de tornar a leitura de trechos em voz alta uma experiência muito prazerosa.

Mas, mais interessante do que observar como Alan Pauls arquiteta suas frases compridas, é analisar a forma como ele desenvolve, página a página, a metáfora do cabelo. Pois se torna claro, logo de início, que o cabelo está atuando como símbolo de alguma coisa – mas do quê? A princípio, como foi dito acima, surge como indicador de classe social e ideologia. O protagonista, dotado de uma cabeleira loura, tenta, sem sucesso, converter-se para o corte afro. Ele consegue montar algo similar a um afro, mas que parece artificial, como um burguês fingindo-se de proletário.

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No entanto, no decorrer do livro, diferentes relações são traçadas a partir do cabelo e seus cortes. A preocupação constante do protagonista pelos seus fios é comparada, em mais de um momento, à atração que muitos homens sentem pela morte – e o ato de raspar a cabeça é muitas vezes visto como uma espécie de morte. Não ter cabelo (isto é, ser careca), por outro lado, representa, para o protagonista, o fim da necessidade de optar por um corte de cabelo, um mundo idílico onde não é necessário se preocupar com estas coisas. A cada página que avança, portanto, Alan Pauls faz despertar novas possibilidades de interpretação sobre o que seria esse cabelo, e o que significa ter cabelo – as responsabilidades envolvidas. Talvez o cabelo seja metáfora para a liberdade de opinião e expressão, uma verdadeira arma na época de ditadura que é pano de fundo de parte do romance.

Porém, são os encontros esparsos com Monti, o melhor amigo do protagonista, um personagem que aparece e desaparece constantemente da narrativa, que sugerem que talvez o “cabelo” seja isso e muito mais. Cada vez que Monti aparece em cena, exibe um novo corte. Nas palavras do narrador: “Ele vive mudando! Poderia ser até um impostor, um impostor profissional, um desses farsantes que volta e meia desaparecem e começam vida nova”. O protagonista especula o quanto da vida de Monti está registrada naqueles fios. As quatro filhas, a casa com piscina, o câncer que o afeta no final da vida – tudo isso está marcado no cabelo. Trata-se de um símbolo que acumula mais e mais significados na história de Pauls. Como resultado disso, História do Cabelo é um romance para ser lido com assombro e confusão. Apesar de ser uma narrativa breve, a trama é de uma densidade ímpar, e se não fosse narrada com o estilo compassado do autor argentino, talvez se tornasse uma obra de leitura enfadonha.

No entanto, Alan Pauls, com este livro, não apenas se firma como uma das vozes mais interessantes da América Latina, como também cria uma grande expectativa para o último volume da trilogia, que, como anunciou o escritor, trará o título de História do Dinheiro.

 

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