A direita que dá certo: sem grandes gestos, líder grego faz governo sólido
Escolhida como país do ano pela Economist, a Grécia do primeiro-ministro Mitsotakis faz a lição de casa da austeridade racional e com apoio popular
Se você nunca ouviu falar de Kyriakos Mitsotakis, isso é uma boa notícia para a Grécia: significa que o país saiu do estado de crise infernal em que passou vários anos, terminalmente falido e endividado, com a economia salva do desmoronamento total pela União Europeia em troca de uma austeridade brutal.
A Grécia de hoje é um país que já entrou no radar do New York Times e da Economist como exemplo do que funciona. A revista elogiou o trabalho do primeiro-ministro de centro-direita, reeleito em junho. O país demonstrou que, mesmo na beira do abismo, é possível “promulgar reformas duras e sensatas, reconstruir o contrato social, exibir um patriotismo comedido e, ainda assim, ganhar eleições”.
A política externa alinhada com os Estados Unidos e a União Europeia, inclusive na condenação à Rússia, apesar dos laços históricos consolidados pela religião ortodoxa, ajudou na escolha da Economist. A revista queria dar o prêmio ao Brasil de Lula 3, mas recuou diante do hábito presidencial de “se aliar a Putin e ao déspota venezuelano Nicolás Maduro”.
A Economist já errou feio em muitos diagnósticos e previsões sobre o Brasil, e isso talvez tenha contado na decisão dessa semana.
Sem soluções mágicas
Ninguém se atreve a falar em “milagre grego” – inclusive porque a expressão está associada à incomparável eclosão de filosofia, arte, gêneros literários e jeitos novos de encarar o mundo que continua a reverberar até hoje, 2 500 anos depois de inundar a Atenas do século V antes da era cristã. Mas as conquistas modestas do país nos anos recentes são bem avaliadas.
“Hoje, é uma das economias que mais crescem na Europa”, anotou o Times – nada de muito excepcional, visto que a Europa está patinando. “Num reconhecimento significativo da guinada do país, as agências de classificação de risco estão melhorando a nota da dívida da Grécia e abrindo as portas a investimentos estrangeiros”.
“Os turistas voltaram em massa, alimentando um frenesi da indústria de construção e novos empregos. Multinacionais como a Microsoft e a Pfizer estão investindo. E bancos que quase haviam falido limparam a ficha e estão emprestando de novo, beneficiando a economia como um todo”.
São conquistas modestas para uma economia ainda ancorada na produção agrícola, com uma dívida de 166% do PIB de 219 bilhões de dólares – menos do que a metade de Israel, um país de população comparável, na faixa dos dez milhões de habitantes.
Mas representam um salto consistente em relação ao passado de derrocada e ao estilo de líderes populistas como Alexis Tsipras, o ex-primeiro-ministro de esquerda que precisou ser convencido pelos fatos (e pelos alemães) de que não havia soluções mágicas para a Grécia falida.
Líderes bizarros
Mitsotakis não tem nada de gestos dramáticos. É um tecnocrata competente, com ótima formação (Harvard, Stanford) e um histórico que poderia funcionar contra, por soar a nepotismo, como filho de um político que foi primeiro-ministro e presidente.
Talvez o estilo perfil baixo tenha influenciado a escolha da Economist, principalmente à luz da escolha presidencial num país mais encrencado ainda do que a Grécia, a Argentina que elegeu Javier Milei.
Aliás, Milei deveria ter sido escolhido o político do ano. Para o bem ou para o mal, ele encarnou u ma versão de direita ultraliberal como nunca se viu antes no catálogo mundial de líderes políticos bizarros.
A biografia de Mitsotakis tem elementos dramáticos, ao contrário do estilo político dele. Quando nasceu, durante a ditadura militar grega, a família estava sob prisão domiciliar e acabou fugindo para a Turquia. Seu cunhado, Pavlos Bakoyannis, que era deputado pelo mesmo partido familiar,o Nova Democracia, foi assassinado em 1989 por uma organização armada de extrema esquerda.
“A era da política fiscal relaxada acabou”, disse o primeiro-ministro no começo da semana, ao promover a economia de startups, uma saída para países de recursos limitados. “Não existe lugar para a complacência. Ainda temos um longo caminho pela frente. Sempre existe uma grande tendência a esquecer o preço que pagamos pela crise, quando perdemos um quarto de nosso PIB”.
Não tem muito charme, mas está funcionando.