A estratégia da audácia de Guaidó para salvar a Venezuela
O momento histórico criou homens e mulheres de incrível coragem e nenhum deles é mais arrojado do que o presidente interino que só tem divisões morais
“O papa? Quantas divisões ele tem?”. Esta é talvez a mais famosa frase de Stalin. Foi dita em tom sarcástico, em 1935, a Pierre Laval, ministro das Relações Exteriores da França, que passava o chapéu em todas as frentes, do Vaticano ao subserviente Partido Comunista Francês, para selar alianças contra o iminente perigo alemão.
Juan Guaidó não tem divisão nenhuma e pareceu enfraquecido depois da quase inexistente rebelião militar da terça-feira, encerrada com os poucos integrantes da Guarda Nacional pedindo asilo na embaixada brasileira e Leopoldo López, seu mentor, na embaixada da Espanha.
No dia seguinte, com voz rouca, falou à massa como se o que tivesse acontecido fosse pouca coisa: “Peço a todos os venezuelanos que continuemos agitados, fortes, altivos, com esperança, com confiança”.
“Hoje Maduro não tem o apoio das Forças Armadas”, disse num vídeo anterior, contra todas as evidências.
Como se estivesse acostumada a qualquer coisa, e talvez os anos de dureza tenham ativado a reserva de força que todos têm para os momentos de grande emergência, Lilian Tintori, a ex-campeã de kitesurfe e participante de reality shows transformada em leoa na defesa do marido, Leopoldo López, inspecionou sua casa revirada e saqueada enquanto estava com ele na embaixada da Espanha.
“Maduro mandou uns ladrões porque ele é um ladrão, um corrupto, um ditador, uma pessoa que que mantém destruído um país que passa fome.”
“O que ganharam com isso? As pessoas foram às ruas do mesmo jeito; querem mudança e a mudança virá; a usurpação já vai acabar.”
Palavras assim são importantes para lembrar que milhões e milhões de venezuelanos não estão acabados, perdidos, derrotados. Resistem com os meios que têm, desafiam a tirania e arriscam a própria vida.
Mesmo quando os adversários “zombam de nós e de nosso sofrimento”, segundo disse Guaidó.
Também valeria notar que o governo Trump não está perdido, sem opções, segundo uma peculiar teoria do momento.
Nem que declarações de contatos fracassados com altas autoridades do regime significam um reconhecimento de derrota. Só do nome de alguém como o poderoso Padrino, o chefe das Forças Armadas, ou de um juiz da Suprema Corte aparecer na lista já basta para criar, como dizem os médicos para preparar o espírito do paciente, um grande desconforto.
Desde o momento em que irrompeu estrondosamente na praça pública, real e virtual, declarando-se presidente interino com base na autoridade dada pela Assembleia Nacional, o congresso neutralizado pelo regime por ter maioria absoluta oposicionista, Guaidó optou pela audácia.
Segundo o Wall Street Journal, pouquíssimas pessoas sabiam da iniciativa, inclusive da oposição, para que “não estragassem tudo”. Alguns desceram do palanque improvisado e todos começaram a perguntar pelo WhatsApp que diabos, digamos, estava acontecendo.
Foi deixada a Guaidó a prerrogativa de tomar a decisão, apenas um dia antes, por causa dos “riscos que corria”, segundo Edgar Zambrano, vice dele na Assembleia Nacional, um dos poucos informados sobre o plano, comandando por Leopoldo López de casa, onde cumpria prisão domiciliar.
É claro que houve uma longa preparação de bastidores, sobretudo nos Estados Unidos, onde o governo Trump está apertando todos os parafusos da caixa de ferramentas para expelir Maduro e companhia pela via pacífica.
O sucesso de Guaidó com a massa e o concatenado reconhecimento diplomático que recebeu criaram o momentum certo, o impulso que parecia irresistível.
Com a ajuda de seus 2.000 generais e de aliados que parecem nome dos sujos e malvados – Rússia, China, Turquia e Irã –, Nicolás Maduro resistiu a manobras audaciosas como a autoproclamação de Guaidó, a frustrada tentativa de colocar ajuda humanitária através de fronteiras, saída e entrada no país de Guaidó sob proibição, a mobilização permanente e os acontecimentos dessa semana.
Em todas as ocasiões, sem vacilar, Juan Guaidó respondeu que era questão de tempo e só existia a via da persistência. Depois, em algum momento, dobrou a aposta.
“A primeira virtude de um soldado é suportar a fadiga, coragem é apenas a segunda”, dizia Napoleão, também eternamente associado ao comando “a audácia, sempre a audácia”, uma disposição tática que deveria ser precedida pelo minucioso planejamento estratégico.
A audácia de Guaidó vai ser compensada? Com o jogo se desenrolando, é difícil cravar.
Maduro saiu hoje em marcha triunfal, acompanhado de quatro mil militares, Vladimir Padrino ao lado. Parecia a marcha da vitória, mas é bom prestar a atenção a um vídeo postado por seis parentes do general, incluindo sua mãe, Carmen Oneida López.
“Você, como outros venezuelanos, sonhava com um país melhor e cresceu com um projeto que é evidente hoje que fracassou. Sabemos como é difícil estar em seu lugar. Mas você, meu amor, pode fazer isso e dar o valente passo de ficar ao lado do povo. Estamos falando porque nunca perdemos a esperança de ver você dar o passo correto”, apelou ela.
Já pensaram ouvir isso da mãe?
E qual mãe se orgulha mais do filho: a de Padrino ou a de Guaidó?
Adendo final: depois da invasão alemã, Pierre Laval ficou do lado errado da história e aderiu ao governo colaboracionista de Vichy, a cidade francesa onde o marechal Pétain pretendeu salvar a França através da submissão ao nazismo.
Foi executado por fuzilamento em 15 de outubro de 1945, depois de uma fracassada tentativa de suicídio.