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A vingança de Putin: ataque mais mortífero do ano e até ferro derretido

Funcionará a tática de não lançar contra-ofensiva para expulsar ucranianos de território russo, mas aumentar violência em outras frentes?

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 set 2024, 22h20 - Publicado em 4 set 2024, 06h25

“Eles vão vir com tudo para cima de nós”. A previsão foi feita por um soldado ucraniano ouvido pela revista inglesa The Spectator e está sendo plenamente confirmada. A Rússia disparou mísseis contra uma escola militar na cidade de Poltava deixando 51 mortos e 200 feridos, no ataque mais mortífero desse ano; está avançando na frente oriental e tem usado gás venenoso e até uma mistura líquida de alumínio e óxido de ferro. O efeito é parecido com o de ferro derretido, lançado por helicópteros para incinerar vivos os infelizes soldados em terra.

É a barbárie em estado avançado. Mas irá funcionar como contrapeso ao espantoso ataque ucraniano que tomou um pedaço de território russo no estado de Kursk?

Vladimir Putin não tem opção: quem vive do poder absoluto tem que não só ter como exibir poder absoluto. Essa muralha impenetrável, garantida pelo maior arsenal nuclear do mundo, sofreu uma rachadura, pequena, mas de enorme valor simbólico, quando uma força multitarefas avançou sobre território russo, na primeira invasão do tipo desde a II Guerra Mundial. Foram ocupadas cerca de cem pequenas localidades, numa extensão de 1,3 mil quilômetros quadrados. Para a Rússia, mais de duas vezes maior do que o Brasil, estrategicamente é um nada. Para o inconsciente coletivo, é um trauma difícil de ser subestimado.

Pode ser por isso, pelo menos em parte, que o índice de confiança em Putin, sempre enorme, caiu três pontos, para 45%, segundo pesquisa de um instituto confiável, o Levada Center.

“SITUAÇÃO DIFÍCIL”

Com vasta superioridade aérea e num momento de avanço, lento, mas consistente, na frente principal, na região de Donbas, Putin optou por não lançar uma contra-ofensiva agora para recuperar o naco ocupado de Kursk, mas incrementar todas as outras ações. Aumentaram assim os drones e mísseis disparados contra Kiev e ontem foi desfechado o grande ataque na cidade de Poltava, com as enormes perdas registradas no Instituto Militar de Comunicações, na maioria cadetes, e num hospital adjacente. Também aumentou a ofensiva contra a localidade de Pokrovsk, considerada chave para a expansão do domínio russo na frente oriental.

Se a intenção do ataque ucraniano em Kursk era desviar tropas dessa frente, não está funcionando, dizem analistas militares.

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Estará funcionando para uma opinião pública completamente manipulada? Note-se que o cinismo é tanto que Putin usa o termo “situação difícil” para minimizar a ocupação de parte de Kursk uma região que tem um lugar especial na história e na psique russa por ter sido o local onde se travou a maior batalha terrestre de todos os tempos, durante a II Guerra. Ali foi selada a derrota da invasão da Alemanha nazista.

Segundo um estudo do jornal digital Kiev Independent, haviam sido registradas 600 ocasiões em que as forças russas usaram agentes químicos venenosos contra ucranianos entre fevereiro de 2022, quando começou a invasão, e janeiro de 2024. Desde então, em oito meses foram contabilizados quatro mil casos. As substâncias são gás lacrimogêneo e cloropicrina, do tipo usado por forças policiais de choque. Provocam intensas reações de queimadura na pele e nas vias respiratórias. Chegam a ser usadas duas a três vezes por dia contra as mesmas tropas na região de Pokrovsk.

Nem é preciso dizer que são substâncias banidas pela Convenção de Armas Químicas.

“REVISÃO” NUCLEAR

“Foi o gás que rompeu o impasse na guerra de fronteiras em abril de 1915, quando os alemães o lançaram contra tropas aliadas desavisadas e despreparadas, obrigadas a dar meia volta e bater em retirada. Cem anos depois, o resultado é o mesmo na Ucrânia”, escreveu no Telegraph o coronel da reserva do Exército britânico e especialista em armas químicas Hamish de Bretton-Gordon.

Quando os soldados ucranianos têm que sair das trincheiras por causa dos agentes químicos, são alvejados pela artilharia e por drones do inimigo.

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A Ucrânia também sofreu a perda de um dos caças F16 que batalhou tanto para conseguir de aliados ocidentais – atingido por fogo amigo ou derrubado por um erro do piloto, famoso por seus feitos aéreos. Antes do desastre, ele havia acabado de neutralizar três mísseis e um drone.

Faltam pilotos para os aviões modernos que países europeus como a Holanda e a Dinamarca estão doando à Ucrânia, sacrificando suas próprias forças aéreas – com plena consciência de que é um investimento de longo prazo na própria segurança diante de uma Rússia capaz de tudo, inclusive invadir um país vizinho sem motivo algum, fora uma visão retorcida de seu líder.

TEMPO E PACIÊNCIA

Por causa da invasão em seu território, o regime russo voltou a ameaçar uma “revisão” em sua doutrina nuclear. Ameaçar o mundo com uma guerra apocalíptica tem sido uma tática usada com frequência, explorando o medo que todos temos de uma dizimação em ampla escala não só na Europa, de milhões de seres humanos, mas da própria civilização.

Quais serão as consequências do ato de audácia e engenhosidade da Ucrânia ao atacar território russo? Por enquanto, estamos vendo a vingança de Putin em múltiplas frentes, sem desviar do objetivo principal, Mas para tirar as tropas ucranianas, não existe milagre aéreo nem avanço em outras regiões que dê jeito: ele vai ter que deslocar tropas, por terra, num tipo de guerra tão antigo quanto a humanidade. Os resultados são, por enquanto, completamente desconhecidos.

Mas é impossível não ver as vantagens da Rússia, tais como resumidas por Tolstói na maior obra sobre guerra da história da literatura. “Os mais fortes guerreiros são estes dois: Tempo e Paciência”, escreveu.

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Irá a Ucrânia, em luta existencial pela própria sobrevivência como nação independente, encontrar um modo, obrigatoriamente audaz e astucioso, de reverter essas vantagens?

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