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Afinal, algum dia saberemos o motivo pelo qual o papa emérito renunciou?

Teorias conspiratórias não faltam e voltaram a circular depois que seu sucessor pediu uma prece especial que o acompanhasse até “os últimos dias”

Por Vilma Gryzinski 29 dez 2022, 07h26

Se Bento XVI estava tão incapacitado a ponto de tomar a chocante decisão da renúncia, em 28 de fevereiro de 2013, como é que viveu mais dez anos?

É uma pergunta legítima e independente das muitas teorias da conspiração desde que o alemão Joseph Ratzinger saiu de cena, numa atitude sem precedentes em 600 anos, e em seu lugar entrou o argentino Jorge Bergoglio.

O fato de que tenham sido diferentes como água e vinho, embora mantendo uma relação ostensivamente boa – “É um santo”, disse Francisco recentemente -, só aumenta a curiosidade.

Outro fator: além de viver uma década como papa emérito, Bento XVI também não foi envolvido em nenhuma denúncia de pederastia, o grande pecado que continua a projetar sua sombra sobre um clero que deveria ser, em tudo, o oposto do que tantos casos comprovam.

Se não sofria uma doença grave e não viria a ter o nome enxovalhado, aumentam as dúvidas sobre o motivo que o  levou à renúncia e a uma vida de contemplação no mosteiro Matter Ecclesia, um convento adaptado para que morasse no Vaticano, numa situação inevitavelmente desconfortável para o sucessor.

Em vez de diminuir as especulações, o papa aposentado as aumentou ao ter uma conversa, no ano passado, com o Corriere della Sera,  dizendo que a hipótese de que tivesse renunciado sob intimidação é coisa de “amigos um tanto fanáticos”.

Pois é, até ele admitiu as teorias conspiratórias, embora dizendo que a renúncia foi uma “escolha difícil”, mas tomada de consciência limpa.

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Bento XVI foi uma figura influentíssima na Igreja muito antes de se tornar papa, agindo em conjunto com João Paulo II para defender, com vigor de quem foi teólogo precoce e de culto, a visão mais tradicional de como devem ser conduzidas as questões religiosas e morais.

Francisco desmanchou tudo o que ele fez, inclusive a abertura para a missa tridentina, a rezada em latim, cuja substituição após o Concílio Vaticano II provocou dissidências que chegam aos dias atuais.

Muitos tradicionalistas o culpam por terem sido “abandonados”.

“Como foi possível que abandonasse o rebanho à ferocidade dos lobos?”, escreveu um deles, Aldo Maria Valli, blogueiro vaticanista (associamos as duas palavras tão antagônicas de propósito), por ocasião da entrevista do ano passado. “Como é possível se dizer com a consciência limpa, mas não sentir o espanto e o sofrimento de uma grande parte do rebanho?”.

Outra teoria da conspiração envolve o escândalo do Vatileaks, um vazamento de documentos sigilosos feito pelo próprio mordomo de Bento, Paolo Gabriele. O mordomo disse que queria provar que existem “mal e corrupção por toda parte na Igreja”, embora o papa não fosse “suficientemente informado”.

Bento desmentiu pessoalmente a hipótese de que tenha sido levado à renúncia por causa das revelações. O Vatileaks provocou a criação de uma comissão  de cardeais que concluiu existir uma rede “unida pela orientação sexual” e sujeita a chantagens de “influências externas”- a máfia gay, expressão tão politicamente incorreta que o caso desapareceu rapidamente da imprensa.

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Muitos conspiracionistas evocam também um tema esotérico, as Profecias de São Malaquias. Todas as autoridades religiosas e históricas consideram o texto atribuído ao santo irlandês do século XII uma falsificação datada de mais de trezentos anos depois, mas é irresistível às mentes conspiratórias deixar de lembrar que as profecias mencionam os 112 papas que haveria a partir do momento em que foram, supostamente, escritas, em 1139.

Segundo as curtas descrições escritas em latim sobre cada papa, o emérito seria o penúltimo e Francisco o último. Nenhum exegeta consegue explicar por que o papa argentino é tratado de “Pedro, o Romano”. Mas, depois dele, viria o final apocalíptico. “Quando as tribulações acabarem, a cidade das sete colinas estará destruída” e virá o julgamento final.

Francisco está com 86 anos e não é impossível que siga o caminho de seu antecessor. Disse recentemente que já deixou o pedido de renúncia escrito em caso de incapacidade. Sentir que faltam forças para as exigências de uma missão de extrema exigência não é nada fora do comum, principalmente para pessoas com mais de 80 anos – exceto se forem, claro, a rainha Elizabeth II, que cumpriu suas funções até dois dias antes de morrer, aos 96.

Bento XVI pode ter achado que simplesmente não dava mais conta? É provável. A Igreja Católica também continua a provocar os mais extremos sentimentos conspiratórios – e altamente equivocados, como nos livros de Don Brown. 

Para os que não acreditam em explicações simples nem na lei da parcimônia de Ockham – pronto, voltamos ao inesgotável tema de monges medievais dotados de conhecimentos excepcionais-, a renúncia do alemão Ratzinger continuará a ser mal contada.

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