Uma coisa é garantida em qualquer eleição: seja qual for o resultado, os institutos de pesquisa sempre vão achar um jeito de dizer que acertaram. E aqueles pontinhos que fazem a diferença entre a vitória e a derrota? Ah, é culpa do eleitor, essa criatura volúvel que não se decide até o último minuto, esconde o jogo ou diz uma coisa e faz outra, talvez com o objetivo maligno de enganar os pesquisadores e depois ficar dando risada deles. “Eleitores de Trump são hostis com pesquisadores e se orgulham de se recusar a cooperar”, disse um conhecido pesquisador, Frank Lutz. Já tem até uma pesquisa sobre as pesquisas: 19% de trumpistas disseram que não revelariam suas intenções.
A história dos prognósticos errados vem sendo impiedosamente relembrada ao longo dos últimos 72 anos, desde o dia fatídico em que Harry Truman abriu o sorriso com um buraco no lugar do pré-molar superior — imaginem isso na era dos políticos com dentes de perfeição olímpica — e levantou uma cópia do Chicago Daily Tribune anunciando: “Dewey derrota Truman”. O ex-escriturário e ex-dono de lojinha de aviamentos Truman contrariou a previsão e ganhou a Presidência dos Estados Unidos por direito próprio — antes era o vice apagado que havia ascendido com a morte do titânico Franklin Roosevelt. Thomas Dewey virou nota de rodapé.
“Prognosticar acontecimentos futuros é um anseio entranhado na psique coletiva da humanidade”
As pesquisas sobre intenção de voto não são apenas importantes pelas previsões, mas porque moldam os próprios resultados. Ainda mais num país como os Estados Unidos, onde acontecem cinquenta eleições para a escolha do presidente, com cada estado demandando um tipo de estratégia. Alguns estados são garantidos e dão sempre uma enorme vantagem aos candidatos democratas, que entram na eleição com a certeza dos 55 votos da Califórnia no Colégio Eleitoral e os 29 de Nova York. Outros dependem de uma quantidade comparativamente pequena de eleitores que podem muito bem ser influenciados pelas pesquisas. Se o seu candidato “já ganhou”, como Joe Biden, que chegou no dia da eleição com vantagem de 8 pontos pelas pesquisas, ou a imbatível Hillary Clinton de 2016, podem não se dar ao trabalho de sair de casa. Fazer seus partidários acreditar que podiam virar o jogo foi um dos elementos que propulsionaram a surpreendente arrancada de Donald Trump na final. Dependendo dos prognósticos, os estrategistas das campanhas alocam recursos como a propaganda política na televisão — caríssima, e paga.
Prognosticar acontecimentos futuros é um anseio entranhado na psique coletiva da humanidade. Ainda assim, parece incrível, ao olhar contemporâneo, que os supremamente racionais e eficazes generais romanos se guiassem pela alectoromancia, a previsão de batalhas com base no comportamento de galos sagrados que acompanhavam as tropas em engradados especiais. Entrou para a história o ataque de frustração de Públio Cláudio Pulcro, que mandou jogar no mar as aves teimosas que se recusavam a comer o milho da forma recomendável para adivinhar um bom resultado. “Ut biberent quoniam esse nollent”, esbravejou — “Que bebam, já que não querem comer.” É claro que ele perdeu a batalha. Mas bem que foi avisado pelos pesquisadores galináceos.
Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712