Dá para acreditar que casas de membros da direção do Museu do Brooklin foram pichadas com slogans antissemitas, professores de Columbia fizeram perguntas sobre Israel a alunos com sobrenomes que “parecem judeus” – ah, como isso evoca o pior de tanta gente – e manifestantes com os rostos cobertos por keffiehs atiçaram “quem for sionista, levante a mão”.
Tudo isso em Nova York, uma espécie de Jerusalém do Novo Mundo, onde tantos dos 1,4 milhão de judeus fizeram carreiras de destaque.
Essa é a realidade do antissemitismo assumido, sem disfarces nem circunlóquios, usando a guerra de Gaza como fachada para atacar os “sionistas”, um sinônino do judeu mais politicamente correto.
Vejamos o que foi escrito numa faixa colocada na frente da casa da diretora do Museu do Brooklin, Anna Pasternak: “Sionista supremacista branca”. Acompanhado de um triângulo vermelho invertido, o sinal do Hamas de alvos a serem atingidos.
Ao todo, foram quatro casas de pessoas ligadas ao museu, uma instituição praticamente mantida por nova-iorquinos judeus ricos, geralmente antenados com causas progressistas, como se diria no tempo em que ainda não tinha ficado tão explícita a aliança entre esquerda, estudantes árabes, professores e universitários americanos e militantes de movimentos negros equivocadamente convencidos de que os palestinos são oprimidos pelos “supremacistas brancos” de Israel.
“DONOS DA MÍDIA”
Um relatório da Força-Tarefa sobre Antissemitismo encomendado pela direção de Columbia depois do 7 de outubro – quando 1 200 judeus foram vítimas de chacina, não perpetradores -, revelado pelo jornal israelense de esquerda Haaretz, mostra situações chocantes.
Por exemplo, um professor dizendo aos alunos com os tais sobrenomes que “parecem judeus” para explanar suas opiniões sobre os atos do governo israelense em Gaza. Outro aconselhou os alunos a não ler os veículos da grande imprensa porque “os judeus são donos” da mídia – um clássico do antissemitismo.
Alunos que participassem dos protestos contra Israel realizados no campus ganhariam créditos extras. Símbolos religiosos como a estrela de Davi e quipás foram arrancados de estudantes judeus.
Nada, em termos de choque, se compara às cenas filmadas por celular na semana passada no metrô de Nova York em que manifestantes vindos de um protesto contra Israel seguiram o líder e repetiram em coro suas palavras: “Quem for sionista, levante a mão” e “Sionistas, é sua última chance de descer”.
TUDO É PERMITIDO
É como se as barreiras civilizacionais construídas desde o horror do Holocausto estivessem simplesmente ruindo. Um presidente disse que o direito de defesa de Israel virou “direito de vingança”, como se uma guerra em que os inimigos se movem em túneis deliberadamente construídos de propósito debaixo da infraestrutura civil fosse ato de pervertidos vingativos.
Deveria Israel não reagir para poupar a população civil palestina tão dolorosamente atingida? Deveria deixar o Hamas operando livremente? Deveria aceitar passivamente as atrocidades cometidas contra sua própria população? Absorver um número maior de baixas entre suas forças para parecer mais proporcional?
Quem fala em vingança deve ter todas as respostas a essas complexas perguntas.
Muitos, ingenuamente ou por má fé, miram no governo de Benjamin Netanyahu, como se ele não representasse a maioria da opinião pública – até dos israelenses judeus que não gostam dele e pedem sua cabeça em constantes manifestações, mas concordam que a guerra em Gaza é existencial para o direito à sobrevivência em segurança de Israel.
E é como se a guerra, pavorosa como todas as guerras, mas conscientemente planejada pelo Hamas durante anos, justificasse, as manifestações mais abomináveis de antissemitismo. Basta substituir judeu por sionista e Israel por Netanyahu e tudo é permitido.
Todas as pessoas que aspiram à honestidade intelectual e moral precisam se levantar contra isso. O antissemitismo intoxica não apenas quem o pratica, mas a sociedade como um todo, da mesma forma que outras manifestações de racismo e preconceito.
PISTOLA NA CABEÇA
Escrevendo no Jerusalem Post, um jornal conservador hoje declaradamente contra Netanyahu, Sherwin Pomerantz lembrou um episódio da II Guerra Mundial que é mais conhecido nos Estados Unidos – e, mesmo assim, não muito.
Já depois do Dia D, o desembarque aliado na Normandia, a Alemanha nazista tentou a contraofensiva que chegou muito perto de dar certo, nos cruentos combates da Batalha das Ardenas, na Bélgica. Num desses combates, foram capturados 1 275 soldados americanos. Levados para um campo de prisioneiros de guerra, onde as regras da Convenção de Genebra deveriam valer, eles receberam, através do primeiro sargento Roddie Edmonds, a ordem de que os americanos judeus deveriam se apresentar na manhã seguinte.
Na hora marcada, Edmonds mandou todos os prisioneiros, entre os quais provavelmente cerca de 200 judeus, fazerem a formação em frente ao alojamento.
“Não podem ser todos judeus”, reclamou o comandante alemão, sacando da pistola e apontando-a para a cabeça do sargento de 25 anos.
“Nós somos todos judeus aqui”, respondeu Edmonds.
CRIMES DE GUERRA
Ele acrescentou que, pela Convenção de Genebra, os prisioneiros tinham que declarar apenas nome, patente e número de série, não a religião. E que, se o executasse, o comandante acabaria preso e julgado por crimes de guerra. O alemão recuou.
Poderia ser argumentado que a guerra já estava mesmo perdida, mas lembremos que até o fim, comandantes nazistas continuaram transportando e chacinando judeus nos campos de extermínio e em marchas forçadas.
A obsessão antissemita era mais forte do que tudo.
A história heroica do sargento Edmonds só foi conhecida depois de sua morte, por anotações num diário lido por seu filho. Ele nunca achou que era suficientemente importante para contá-la.
Parece incrível, mas oitenta anos depois, temos que dizer, de novo, que somos todos judeus.