Como deixar todo mundo infeliz? Perguntem a Theresa May
A primeira-ministra chega a uma conclusão para o Brexit; só falta combinar com o resto do país - e de seu próprio governo
Alguma coisa não está muito certa quando a chefe de governo tem que chamar seus ministros um a um para uma “conversinha” – intimidação ou coisa pior, diriam os menos cuidadosos.
O método usado por Theresa May para convencer o gabinete a endossar o acordo preliminar sobre o Brexit, a saída da União Europeia, diz muito, por si só, da posição precária em que ela está.
Alguém com outro perfil de liderança, com mais capacidade de entusiasmar a plateia, faria diferente? Ou a União Europeia criou a prisão perfeita com o Tratado de Lisboa – os que entram acreditam existir uma porta para sair, se quiserem, mas não existe chave para abri-la.
Não é possível conjecturar sobre hipóteses. Mas Theresa May certamente está no pior dos mundos. Os líderes dos países e das instituições europeias a humilharam seguidamente, a ala pró-Brexit de seu próprio partido a considera uma inimiga declarada e os que gostariam de nunca sair da UE comemoram os seus tropeços.
Lembra até uma não tão antiga governante do Brasil que conseguia desagradar a todo mundo. Até nas reuniões que mais parecem maratonas, para vencer pelo cansaço.
Hoje à tarde, vai ter uma dessas para ver se pelo menos o próprio gabinete de May aprova o plano. Antecipadamente, vazam as informações de que o Reino Unido vai penar no pior dos mundos.
Entre elas, o país continuará a seguir por um bom tempo as regras do mercado comum, sem poder fazer acordos comerciais independentes – uma das maiores aspirações dos que apoiaram a saída.
Mas tem que pagar a conta do “divórcio”: 39 bilhões de libras, quase 50 bilhões de dólares.
Para sabotar ainda mais a posição da primeira-ministra, circulou um memorando no qual a vice-negociadora-chefe pela União Europeia, a alemã Sabine Weyland, detona uma saída futura.
“Nós estaremos na posição vantajosa para um futuro relacionamento, que precisa ser baseado na união aduaneira”, diz o documento.
Uma das maiores complicações de uma situação já altamente complexa como a saída da União Europeia é a situação única da Irlanda do Norte.
O território faz parte do Reino Unido mas está umbilicalmente ligado à República da Irlanda. Quando todos estavam na União Europeia, nenhum problema.
Com o Brexit, os dois lados passariam a ter uma fronteira que os especialistas chama de “dura” – sem as facilidades do movimento de pessoas e mercadorias.
Os negociadores da UE propuseram que a Irlanda do Norte continuasse nas condições atuais – o que na prática representaria uma ruptura territorial com o resto do Reino Unido. Theresa May propôs o contrário, o reino inteiro continua.
Se o gabinete aprovar o acordo, ainda existe um longo caminho pela frente, com reuniões de representantes dos demais países da União Europeia para aprová-lo. Só então o acordo vai para a ratificação do Parlamento britânico, onde o panorama não é muito brilhante.
Boris Johnson, que saiu do governo para tentar conspirar por fora, já disse que o acordo deixa o Reino Unido na posição de “estado vassalo”.
A oposição do Partido Trabalhista, claro, sapateia de alegria, esperando que os apertos do governo conservador acabem desencadeando novas eleições.
A votação no Parlamento, em suas várias etapas, todas elas perigosas para o governo, irá de dezembro até março. O prazo final é 29 de março do ano que vem e o período de “transição” acaba no fim de 2020.
Se Theresa May resistir até lá, será um dos maiores casos de sobrevivência política nos quase mil anos contados desde que o duque normando Guilherme, o Conquistador atravessou o Canal da Mancha. Em seis anos de batalhas a partir de 1060, conquistou o trono inglês.
Até hoje se discute como seria a história das Ilhas Britânicas se os conquistadores normandos não tivessem vencido. Serve para dar um pouquinho de perspectiva histórica ao Brexit e suas complicações.