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Continue falando, Lula: assim aparece a mentira do “pacifismo” na Ucrânia

A infâmia de sucessivas declarações culpando os invadidos pela guerra tem a utilidade de demolir argumentos equivocados da direita

Por Vilma Gryzinski 18 abr 2023, 07h24

O que têm em comum Marine Le Pen, Silvio Berlusconi (antes da gravíssima doença), Tucker Carlson, Steve Bannon e deputados extremamente trumpistas?

São todos russófilos, partidários da tese de que Vladimir Putin era um aliado natural da direita populista e dos valores conservadores, com argumentos razoáveis antes da invasão da Ucrânia, hoje totalmente demolidos. No caso dos americanos, ainda existia a justificativa de que o tema Rússia tinha sido usado para tentar tirar Donald Trump do poder no primeiro impeachment e que a Ucrânia aparecia como uma aliada objetiva da esquerda do Partido Democrata.

Nada disso tem mais nenhum valor. Embora seja saudável e desejável que diferentes pontos de vista confrontem-se na arena pública, a ideia de papaguear falsos argumentos pela “paz” entre Ucrânia e Rússia se tornou extraordinariamente parecida com o vexame dos militantes comunistas britânicos durante a II Guerra Mundial. 

Arrebatados defensores do pacifismo quando a Alemanha nazista e a União Soviética tinham um pacto e fatiavam a Polônia como uma torta de maçã, viraram casaca — e cartazes — tão logo Hitler desfechou a avassaladora invasão em três frentes, em 22 de junho de 1941, e quase chegou a Moscou. Imediatamente, os comunistas estrangeiros que recebiam ordens de Stálin tornaram-se belicistas desde criancinhas.

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Se os Estados Unidos tivessem parado de “incentivar” a guerra e não mandado o equivalente a 180 bilhões de dólares, em valores de hoje, em armas e material bélico, às forças de Stálin, a Europa teria se tornado uniformemente um continente sob domínio nazista.

A tática de promover a “paz” também foi muito usada durante a Guerra Fria. O Congresso Mundial da Paz e múltiplas organizações “pacifistas”, incluindo o movimento das mulheres contra a instalação de mísseis Trident na Grã-Bretanha, eram fachadas manipuladas pela KGB. Pregavam o desarmamento unilateral: aliados dos Estados Unidos deveriam desmantelar suas bases, mas a União Soviética continuaria alegremente se armando com as poderosas armas nucleares que até hoje assombram o mundo.

As insensatas declarações do presidente Lula, atribuindo “culpa” igual ao agressor e ao agredido e acusando os Estados Unidos de promover a guerra por armar a vítima, reproduzem exatamente o mesmo raciocínio. Embora vergonhosas e altamente prejudiciais ao Brasil, muito mais do que qualquer besteira cometida pelo governo anterior, elas ajudam os partidários de valores liberais a entender a contrafação disfarçada de defesa da “paz”.

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Reavaliar posições é um atributo das mentes superiores e todos os que estão vendo a verdade devem ser saudados.

As risadinhas sardônicas dirigidas ao governo de Joe Biden, que mandou o diretor da CIA interferir diretamente junto à cúpula militar brasileira quando a questão das urnas eletrônicas era discutida, são um sinal de que a maré mudou na direita anteriormente pró-Putin. Mais risadinhas ficam reservadas à discreta decepção de jornais como o Washington Post e o New York Times — sendo este o órgão que publicou, em outubro passado, um vídeo com o seguinte título: “A eleição presidencial brasileira vai determinar o futuro do planeta”. É impossível não ter um momento de schadenfreude.

Mas a questão de fundo não tem nada de engraçada. Se os Estados Unidos fossem “convencidos”, como prega o referido presidente, a não mandar mais armas para que a Ucrânia se defender da agressão, a Rússia engoliria o país inteiro, colocaria um governo títere em Kiev e lamberia os bigodes de satisfação com a estultice, proposital ou involuntária, dos defensores da “paz”. Inexoravelmente, o expansionismo russo avançaria sobre outros integrantes da sua “esfera de influência” e desfecharia perigos muito maiores dos que os atuais, que já não são pequenos.

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Volodymyr Zelensky, o presidente que é tão invejado por outros candidatos à popularidade mundial — Emmanuel Macron chegou a imitá-lo, com fotos de moletom e barba por fazer —, vive dizendo o óbvio: se a Rússia calasse as armas, acabaria a guerra; se a Ucrânia fizesse o mesmo, acabaria a Ucrânia.

Falar besteiras e achar que está fazendo sucesso porque os áulicos aplaudem fica mais constrangedor ainda quando os novos e grandes amigos nem ligam para o autoproclamado “pacifista”. O tapete vermelho da visita presidencial ainda estava morno quando o ministro da Defesa da China, Li Shangfu, foi a Moscou para “promover comunicações mais próximas” entre as respectivas Forças Armadas — entenderam? Ele também defendeu “o fortalecimento da coordenação e cooperação multilaterais”.

Está aí a palavra chave: multilateral. Sempre que ela aparecer, passa a ser uma forma de dizer que vamos dar uma banana para os Estados Unidos e fazer o que quisermos. Os chineses, claro, não os imitadores sem cacife.

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Os dirigentes chineses têm autocontrole, disciplina e método, não tomam bebidas fortes em função pública e não falam besteiras que ficarão gravadas para sempre. Mas sabem muito bem deixar papagaios boquirrotos pendurados no ar.

Não que estes não consigam andar sozinhos em direção a lugares grotescos — e incrivelmente parecidos com os ocupados por luminares da direita populista na Europa e nos Estados Unidos.

“Se a Ucrânia perder, será uma catástrofe’ Se a Rússia perder, será a III Guerra Mundial”, diz Marine Le Pen, usando o argumento do medo primal de uma guerra nuclear, amplamente plantado pela Rússia.

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Quem repetir isso, já sabe qual é a fonte.

Sobre a visita de Serguei Lavrov: tudo o que poderia ser dito sobre o ministro das Relações Exteriores de Putin, que já foi considerado um ás no uso de argumentos lacradores em entrevistas a jornalistas, está resumido na gargalhada com que o público de um evento na Índia reagiu quando ele reclamou da “agressão da Ucrânia”.

Em suma, virou um comediante involuntário. E multilateral.

Encerramos com as declarações de um ex-condenado que foi anistiado para lutar na Ucrânia, Azamat Uldarov, que contou sobre as operações de “limpeza” de civis ordenadas pelos comandantes do Grupo Wagner. Entre outras atrocidades cometidas em Bakhmut e Soledar, ele participou da eliminação de 300 a 400 pessoas comuns refugiadas num porão, das quais quarenta eram crianças ou adolescentes.

“Atirei na cabeça de uma menininha de cinco ou seis anos. Ela gritou, era uma criança pequena”, disse Uldarov, que está de volta à Rússia. “Atirei numa menina de cinco ou seis anos”.

Viva o multilateralismo.

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