Corra, Maduro, corra: este é o conselho de mentor de Chávez
Sociólogo alemão que inventou o “socialismo do século 21” faz uma análise demolidora do que está acontecendo na Venezuela
Existem correntes de esquerda que não conseguem praticar o desapego em relação a Nicolás Maduro, considerando-o o legítimo herdeiro de Hugo Chávez, mesmo com o país em escombros e o tique-taque cada vez mais alto.
O sociólogo alemão Heinz Dieterich não se permite ilusões perdidas. Teórico de esquerda, o inventor do conceito de “socialismo do século 21”, incorporado por Hugo Chávez, ele analisa com teutônica frieza a situação na Venezuela, antes e depois do madurismo.
Em artigos no site bolivariano de raiz Aporrea e numa entrevista à BBC Mundo, o sociólogo radicado no México faz muitas contribuições para o debate, caso ainda haja dúvidas sobre o futuro de Nicolás Maduro, que não tem comida para o povo faminto e, agora, com o bloqueio americano aos ingressos da venda de petróleo, não tem dinheiro real.
Vale a pena ouvir algumas delas, mesmo com os habituais vícios esquerdistas:
Ficou “completamente claro que Maduro não tem salvação porque Europa, Estados Unidos, Japão e os países importantes sul-americanos se uniram à agressão”.
É claro que Dieterich atribui tudo a um plano perverso de Donald Trump para conseguir uma “vitória barata” na política externa, num momento de muitas derrotas na política interna.
Quem sabe o conspiracionismo de esquerda, sempre focado em grandes complôs mundiais dos capitalistas perversos, desta vez não tem razão?
E os generais que reiteraram o apoio a Maduro desde o desafio sem precedentes de Juan Guaidó, ao se declarar presidente interino como chefe do Legislativo, diante da ilegitimidade da reeleição do grandalhão?
“Os generais venezuelanos sabem que têm que sacrificar” o presidente trapalhão, diz Dieterich. A anistia oferecida por Guaidó – e atribuída pelo sociólogo, talvez com algum motivo, a uma orientação direta do governo americana – foi uma manobra inteligente.
“Eles vão afastá-lo e dirão que, pela paz e pela refundação do país, precisa ir para o exílio. Se se recusar, será advertido que não podem garantir sua segurança. Então, ele vai tomar um avião e provavelmente ir para Cuba.”
Lendo as folhas de chá, ou de coca, sabe-se lá, Dieterich acredita que o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, “aceitou a oferta imperial de sacrificar Maduro em troca da impunidade para eles”.
Como assim? Quando disse que as Forças Armadas respeitam “o estado de direito, a democracia e os direitos humanos” e que continuarão “trabalhando em defesa da soberania nacional”, Padrino, na interpretação de de Dieterich, “mandou duas mensagens adicionais à Casa Branca: não vamos matar por Maduro e não tentem invadir o país porque iríamos à guerra”.
Mas espere: Maduro não fez a rota dos quartéis e até passeou de tanque, com a “primeira-combatente”, Cília Flores, e o próprio Vladimir Padrino?
Dieterich não viu graça nenhuma. “Enquanto Maduro, em sua mente infantil-positivista, brinca de guerra na torreta de um tanque”, advertiu ele, Diosdado Cabello “está negociando a fase pós-Maduro com os fantoches de Washington e os militares”.
O alemão não gosta de Cabello, considerando-o, incrivelmente, “um intrigante anticomunista de direita”.
Haja intriga nisso. Como nem um realista deixa de ter seus momentos de ilusão, Dieterich defende a substituição dos atuais comandantes por “uma direção militar coletiva, formada pelos generais da resistência democrática e bolivariana”.
E, para as inevitáveis eleições do pós-madurismo, propõe o nome de Rafael Ramírez. Ministro do Petróleo e presidente da PDVSA durante a maior parte do período chavista, ele rompeu com Maduro e se exilou na Espanha.
Tem uns probleminhas de corrupção aqui e ali. Mas o sociólogo acha que “seria o único candidato de união progressista e patriótica disponível, e com a experiência nacional e internacional necessária”.
Talvez, quem sabe, até o próprio Dieterich, voltasse a ter alguma influência na Venezuela?
Atenção, Chávez rompeu com ele em 2005, depois de não ser considerado suficientemente socialista por ter escolhido a mesma estratégia da Alemanha do pós-guerra, a economia social de mercado.
Pois é, Dieterich compara o caudilho que lançou as bases nefastas que viriam a jogar a Venezuela na atual devastação aos austeros responsáveis pelo milagre alemão.
Como o alemão sai da Alemanha, mas a Alemanha não sai do alemão, Dieterich vai mais longe ainda e compara a “camarilha” formada por Maduro, Cabelo e o general Padrino “a Hitler na Batalha de Berlim, depois do início da ofensiva final soviética”.
Fora o absurdo da comparação, não deixa de ter sua graça a crítica do sociólogo aos “grandes movimentos salvadores com exércitos fantasmas, investimentos fantasmas e moedas fantasmas” – uma definição precisa das absurdas estratégias de Maduro.
Ideias algo delirantes são previsíveis em quem tem muita coisa na cabeça e nenhum poder nas mãos.
Heinz Dieterich pode ter sido contaminado pelo vírus do delírio latino-americano e está, como toda a esquerda, arrasado com os “sátrapas Macri, Duque e Bolsonaro”.
Mas está também muitos milhares de quilômetros adiante dos que defendem Nicolás Maduro como se fosse a última bolacha no pacote da esquerda latino-americana.