Cristiano Ronaldo, Coca-Cola e as campanhas de boicote empresarial
As ações da gigante dos refrigerantes caíram apenas momentaneamente, mas ato do jogador mostrou como é dura a vida atual das empresas
Cristiano Ronaldo se tornou no começo do ano a primeira celebridade do mundo a passar de 500 milhões de seguidores nas três principais plataformas das redes sociais. Deve ter outros 500 milhões que o odeiam, mas tem experimentado nos últimos dias uma enxurrada de elogios inesperados.
O motivo, todo mundo viu, foi sua decisão impulsiva de tirar duas garrafinhas de Coca-Cola da bancada da entrevista à imprensa dos jogadores depois das disputas da Eurocopa – e ainda pegar uma garrafa de água mineral, sem rótulo, para promover a mais natural das bebidas.
As garrafinhas estavam lá porque a Coca-Cola, obviamente, é uma das patrocinadoras. Da mesma maneira, é a Heineken, alvo de um ato semelhante por parte do francês Paul Pogba, que é muçulmano praticante e não bebe (embora a cerveja fosse sem álcool). O italiano Manuel Locatelli repetiu o gesto de Cristiano Ronaldo, indicando que pode virar moda – pelo menos até que alguma cláusula seja acrescentada aos contratos de patrocínio.
Uma queda de quatro bilhões de dólares no valor de mercado da Coca-Cola foi associada à iniciativa de Cristiano Ronaldo, mas na realidade aconteceu num dia de queda na bolsa e a empresa, apesar de perdas associadas ao fechamento de locais de lazer durante a pandemia, continua valendo acima de 200 bilhões dólares.
Por motivos diferentes da birra do jogador obcecado por alimentação saudável, a multinacional com sede na Geórgia é um exemplo de como a política está se imiscuindo na vida das empresas.
Por motivos completamente divergentes, a Coca-Cola se transformou recentemente em alvo de pedidos de boicote. Democratas e simpatizantes reclamaram que não tinha feito o suficiente para condenar uma legislação do governo estadual da Geórgia que altera alguns elementos dos procedimentos eleitorais, como o voto por correio.
Embora sejam apenas marginais, as mudanças são interpretadas no espectro progressista como restritivas ao acesso do eleitorado negro ao voto – a Geórgia é o estado americano com maior população negra, com quase 32% do total.
“Quero ser inequívoco e claro como cristal, essa legislação é inaceitável e um passo atrás”, protestou, como se estivesse num palanque, o CEO da Coca-Cola, James Quincey.
Com sua clareza bem estudada, Quincey provocou reações contrárias entre o eleitorado republicano, que também passou a pedir um boicote da empresa que vendeu o primeiro copo do refrigerante inventado pelo farmacêutico em 8 de maio de 1886 em Atlanta, com uma fórmula secreta imbatível: cocaína e cafeína, tirados da folha de coca e da noz-de-cola, fruto de uma árvore africana.
Até Donald Trump apoiou o boicote, embora não tenha revelado se deixou o hábito de tomar dez latas de Coca Zero por dia.
Coca-Cola e calças jeans da marca Levi’s tornaram-se símbolos do modo de vida – e do capitalismo – americano, carregadas de significados que vão muito além das marcas comercialmente fortíssimas.
Durante vinte anos, a Liga Árabe boicotou a Coca por manter relações comerciais com Israel. A rival Pepsi dominava o mercado nos países árabes – tornando a Coca, evidentemente, mais desejada.
Pressionar empresas é uma tática muito praticada nos Estados Unidos. Jesse Jackson, um dos mais conhecidos líderes negros dos Estados Unidos, que foi deputado e senador, liderou nos anos oitenta um boicote para forçar a Coca-Cola a doar 30 milhões de dólares a pequenos empresários negros e colocar colocar um negro no seu conselho. Levou.
As empresas, compreensivelmente, têm pavor de parecer apoiar causas polêmicas ou que não tragam as palavras de ordem do momento – “inclusivo”, contra o “racismo sistêmico” e similares.
Boicotar é um direito – e uma arma – dos consumidores, mas as campanhas modernas podem embutir a supressão de modos de pensar diferentes, principalmente quando são dirigidas contra os anunciantes de programas de televisão ou sites.
Um caso que está acontecendo no momento é do GB News, um canal de televisão lançado esta semana na Grã-Bretanha com a ideia de oferecer um ponto de vista conservador – uma espécie de Fox sem a estridência que os comentaristas mais inflamados do canal americano têm.
Um dia depois da estreia, vários anunciantes importantes, como a gigante dos móveis Ikea, Nivea, Vodafone e Pinterest disseram que estavam caindo fora, intimidados pelo grupo de pressão por redes sociais Stop Funding Hate.
Para um canal estreante, e também para a diversidade de opiniões, é um golpe cruel. Pior até do que Cristiano Ronaldo tirar sua marca da frente das câmeras.