Cuba: frangos para aplacar o povo e o balanço de um ano de repressão
Exílio ou cadeia, estas são as opções dos nomes mais destacados da onda de protestos contra o regime, como o cantor de rap Maykel Castillo
“Esta manhã, o mercado em CUP apareceu abastecido com frangos e desde ontem a luz não acaba”. Assim uma moradora de Havana resumiu as melhorias na vida de extrema escassez que os cubanos comuns enfrentam. CUP é como são chamados os pesos cubanos.
Detalhe: o frango não aparecia nos pontos de venda desde maio.
Nenhum cubano tem a menor dúvida de que a aparição dos frangos e o desaparecimento dos apagões de doze hora são temporários, uma manobra do regime para reforçar a mensagem principal: o aniversário de um ano dos extraordinários protestos de 11 de julho de 2021 deveria passar em branco.
Invariavelmente incapaz de prover os bens mais essenciais – e lá se vão 63 anos da revolução que criaria o paraíso socialista -, o regime cubano é bom em uma coisa: repressão.
A explosão espontânea de protestos, pedindo comida e liberdade, não se repetiu mais e os figurões do regime, juntamente com seus admiradores estrangeiros, têm o que comemorar: a voz do povo foi silenciada.
Talvez uma das maiores expressões dessa voz seja a do cantor de rap Maykel Castillo, conhecido como Osorbo. Com seu nome que adapta a pronúncia em inglês e a cor da pele miscigenada, Maykel poderia estar em qualquer periferia brasileira. Mas está numa cadeia cubana, condenado a uma pena bárbara de nove anos, pelo crime de ser um dos compositores de Patria y Vida – o hino dos protestos que inverteu uma das mais conhecidas palavras de ordem do castrismo, Pátria ou Morte.
Osorbo foi acusado de difamar e atentar contra as instituições, além de atacar um policial que foi prendê-lo.
Patria y Vida não prega nenhum tipo de violência nem promove atitudes agressivas, como muitos raps. Ao contrário, é quase ingênua, propondo uma caminhada “para demonstrar-te de que servem teus ideais/ Não nos tratemos ou façamos mal como animais”. Também fala das “panelas sem rango” e da “publicidade de um paraíso em Varadero/ Enquanto as mães choram pelos filhos que se foram”.
Que regime é esse que condene um cidadão a nove anos de cadeia por escrever uma música?
Quem tinha ideais de esquerda, quando estes pareciam nobres e justos, só pode sentir vergonha com a prisão de pessoas como Maykel Castillo e Luis Manuel Otero Alcántara, um artista plástico – artista! – condenado a cinco anos por desrespeitar símbolos pátrios, desacato e desordens públicas.
Otero fazia performances com bandeiras cubanas e foi um dos criadores do Movimento San Isidro, que inspirou protestos de pequenos grupos de jovens intelectualizados, mais antenados com as redes sociais do que os núcleos tradicionais – e igualmente reprimidos – de oposição.
As atividades bem modestas desses grupos contrastaram com a grande explosão do 11 de julho do ano passado.
“Fregueses” habituais das cadeias cubanas ou recém-chegados ao mundo quase inconcebível da oposição a um regime que tudo controla foram tratados com a mesma brutalidade.
Um relatório feito por duas ONGs, intitulado Um Ano Sem Justiça: Padrões de Violência Estatal contra Manifestantes do 11J, apresenta os seguintes números: 1484 pessoas presas, das quais 701, com idades entre 12 e 68 anos, continuavam detidas; 488 foram condenadas em simulacros de justiça.
O ator e dramaturgo Yunior García, que se tornou o nome mais conhecido entre o esboço de oposição, submetido a uma pressão insuportável, exilou-se na Espanha quatro meses depois dos protestos. Foi muito criticado, mas quem tem moral para condená-lo?
Ao nível das pessoas comuns, a saída também parece ser com os pés. Batem recordes os números de cubanos que vão para a Nicarágua – que aboliu a exigência de visto – e daí para o México, entrando sem documentos nos Estados Unidos. O número projetado para este ano é de 150 mil pessoas.
A dureza da repressão, a opção pelo exílio e a liberação dos pacotes enviados pela comunidade cubana no exterior parecem ter desarticulado a nascente oposição. Mas a ausência de protestos no primeiro aniversário do 11 de julho não esconde o fato de que a situação econômica ficou pior ainda e não há frangos episódicos que deem jeito num sistema intrinsecamente falido.
O desejo de ver “Cuba livre” foi semeado e não há repressão que acabe com ele.