Economia vai bem, mas os Estados Unidos vão mal – e Biden paga o preço
A popularidade do presidente está embaçada, americanos não estão satisfeitos com a situação do país e não tem discurso entusiástico que dê jeito
O balão espião chinês está no fundo do mar, mas a popularidade de Joe Biden está longe da estratosfera. Ao contrário, segundo uma pesquisa das mais confiáveis, hoje ele perderia a eleição presidencial para Donald Trump por 45% a 48% dos votos.
Pior ainda: 41% das famílias dizem que sua situação financeira piorou desde que Biden chegou à Casa Branca, há apenas dois anos (o mesmo índice durante o governo Trump era de 13%).
E tem mais: só 38% dos americanos acham que o país está numa posição boa, contra 58% que detectam falhas no estado da nação, o tema do discurso autoelogioso, como é praxe, de Biden ontem perante o Congresso.
Todos concordam que o discurso de Biden foi uma prévia para o lançamento de sua candidatura à reeleição. Não foi um espetáculo bonito: vaiado por congressistas republicanos mais à direita quando disse que eles pretendiam cortar benefícios para os idosos, Biden não apareceu como vítima, mas como provocador de um falso confronto.
Fora os críticos movidos apenas a antipatia política, há um consenso de que a anunciada recessão não virá ou não será tão ruim, a economia tem vários indicadores bons, principalmente em termos de emprego, e parecer como um benfeitor que dá armas para a Ucrânia lutar pela liberdade é bem melhor do que ser o perdedor que saiu catastroficamente do Afeganistão.
“Se ele está tão mal nas pesquisas depois de uma série de vitórias, isso deveria ser motivo de preocupação”, espetou o deputado Julián Castro, da ala de esquerda do Partido Democrata (não confundir com seu irmão gêmeo, Joaquin, o que pediu espalhafatosamente a extradição de Jair Bolsonaro).
Preocupação é o que não falta entre os cabeças brancas democratas, perfeitamente conscientes de que existe um mal estar entre o eleitorado, alimentado por uma multiplicidade de fatores, entre os quais o mais incômodo, por motivos óbvios, é a inflação de 7%, o que obriga a taxa de juros a continuar alta – aumentou de 4,5% para 4,75%, o que não deixa Biden muito feliz. Aliás, Trump também reclamava do FED de Jerome Powell – “Não tem gana, não tem visão” – por achar que a competitividade da economia americana era prejudicada por uma taxa alta (embora nunca tenha pretendido acabar com a independência “desse cidadão” ou outras barbaridades).
Na época, a taxa de juros era a metade da atual, o que mostra como a pandemia desencadeou forças inflacionárias que continuam a reverberar sobre todos nós.
A inflação pode – e deve – baixar, mas a idade de Joe Biden vai continuar aumentando e esse é outro fator que interfere em sua popularidade. Um homem de 80 anos que foi eleito mais por não ser Trump do que por ser Biden vai enfrentar esse problema inevitavelmente. A insatisfação se expressa em outro número: 62% dos americanos ficariam insatisfeitos ou muito insatisfeitos se ele fosse reeleito.
E uma pancada feia.
A economia americana pode melhorar nos dois anos que faltam para o fim da presidência de Biden, inclusive com as iniciativas protecionistas que estão deixando os europeus apavorados. Se os americanos dão subsídios a indústrias para funcionar em seu território, a fila vai ser grande. Uma associação de empresas britânicas disse que está nada menos do que “em pé de guerra” diante do risco representado pela magnificamente chamada Lei de Redução da Inflação, o instrumento que abre caminho a subsídios à fabricação de carros elétricos e chips nos Estados Unidos.
A visão pessimista dos americanos sobre seu próprio país contrasta com o ponto de vista externo, que sempre detecta as incríveis vantagens que a maior economia do mundo, detentora da moeda de referência, tem.
“A erosão de nossa sociedade civil decorre de forças mais poderosas e difusas do que entendem os políticos lutando por vantagens. A realidade é que décadas de venda ao exterior de nossas indústrias por parte da classe financeira (com o apoio da classe política) destroçaram os Estados Unidos. Quando se soma o desemprego e a falta de perspectivas ao vício em drogas e a ausência de pais, com os consequentes abusos, dá para ver que os fundamentos da economia americana foram esvaziados e o próprio tecido social está esgarçado”.
Assim escreveu o analista conservador Christopher Bedford no Federalist.
Parece praticamente um programa eleitoral, em linguagem racional, para Donald Trump.
A quem a maioria do eleitorado dará ouvidos: aos arroubos otimistas como vistos no discurso de ontem de Biden ou ao quadro pessimista que a turma de Trump propala?