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Estaria Boric fazendo algo certo para ser tão criticado pela esquerda?

O presidente chileno deu 'uma guinada para a direita' e até o fracassado Nicolás Maduro se acha no direito de atacá-lo

Por Vilma Gryzinski 23 nov 2022, 07h03

Tendo inventado um modo garantido de destruir países, com Estado oneroso, benefícios sociais que logo viram malefícios pela desconexão com a realidade e empresários “amigos” transformados em inimigos quando a rapina se expande, a esquerda latino-americana está se sentindo no auge. O Brasil caiu, o Foro de São Paulo subiu e a identidade ideológica virou algo muito próximo de dominante.

É claro que é nessa hora que a esquerda começa a brigar entre si e uma das brigas mais interessantes do momento envolve Gabriel Boric.

Depois de assumir a presidência chilena em março, com apenas 36 anos, ele sofreu uma catastrófica perda de popularidade que o coloca hoje na faixa de aprovação de apenas 27%. O baixíssimo índice, principalmente para um presidente ainda na fase inicial do mandato, contribuiu para uma perda estratégica, a rejeição a um alucinado projeto para a nova constituição chilena.

Boric reagiu com as palavras certas: a “contundente” decisão popular era incontestável e o jeito era começar um novo processo constituinte.

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Pois aí está um dos motivos usados por um violador serial da legalidade, Nicolás Maduro, para elogiar a si mesmo – uma característica incontrolável dos populistas – e descer a língua em Boric, a quem o regime venezuelano não perdoa por ter sido criticado pelo presidente chileno na Assembleia Geral da ONU.

E usou para isso a reunião de trabalho do Foro de São Paulo em Caracas. Disse o canastrão:

“Com dor pelo Chile, com dor pelo povo de Allende, com dor por mais de dois mil presos políticos jovens que ainda estão nos cárceres, tenho que dizer que na Venezuela surgiu um povo, um líder e um projeto que transformaram a Constituição em vitória refundacional para uma nova república.”

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“Ao contrário do Chile, lamentavelmente, onde houve povo, mas não houve vanguarda nem liderança. E no final o povo acabou votando contra um governo repudiado e rechaçado.”

Maduro não está sozinho. O jornal La Izquierda Diário Chile, de um grupúsculo ultraesquerdista, comparou Boric aos governos da Concertação, o pacto entre a democracia-cristã e o Partido Socialista que propiciou estabilidade e alternância no poder na era pós-Pinochet.

“O governo de Gabriel Boric já pouco se distingue de um governo social-democrata, como os da Concertação que governou o Chile durante vinte dos trinta anos desde a volta da democracia.”

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“É difícil encontrar um governo que tenha traído tão rapidamente suas promessas e tenha desmoralizado tão categoricamente a própria base.”

Exemplo dado pelo jornal: “a mudança de postura” em relação ao Tratado Transpacífico, uma vantagem estratégica para um país baseado em exportações como o Chile que a esquerda considera um obstáculo a um “modelo alternativo” de desenvolvimento.

Outro: um projeto para “tornar praticamente permanente” a militarização da região de Araucanía, no sul do país, onde um movimento radicalizado de índios da etnia mapuche promove constantes atos de violência e busca o separatismo.

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Estaria Boric, que já se classificou ideologicamente como à esquerda do Partido Comunista do Chile, fazendo algo certo?

O presidente realmente usou palavras fortes para qualificar de “terroristas” os ataques dos mapuches contra produtores rurais e caminhoneiros, além dos incêndios criminosos de igrejas e instalações industriais.

Os ataques são atos, indubitavelmente, de terror e o problema é enorme para Boric, que levou um banho de realidade logo no começo do governo ao enviar a ministra do Interior para abrir um diálogo. Foi recebida a bala.

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Quando ele próprio foi a Araucanía, no começo do mês, os mapuches incendiaram uma igreja e uma escola recém-inaugurada. Não economizou palavras:

“São uns covardes. Vamos buscá-los com a força da lei. O que me lembra o incêndio da escola e da igreja? Lembra-me quando na década de trinta os nazistas queimavam sinagogas. A escola me lembra quando em setembro de 1973, a ditadura militar queimava livros.”

Uma das organizações mapuches tripudiou: “Agora o capitalismo e o colonialismo se apresentam com ares ‘progressistas’ para continuar o saque, a criminalização, a repressão, o assassinato e o encarceramento de nossos combatentes”.

Boric evidentemente quer resolver “a dívida histórica” – a Constituição rejeitada criava até um estado plurinacional para acomodar os povos indígenas –, mas já disse que não existe solução mágica.

Ele também continua a ser de esquerda e quer o mesmo “novo modelo” de desenvolvimento que altere fundamentalmente a economia chilena. Mas talvez já tenha percebido como as coisas deram formidavelmente errado na Venezuela. Na Argentina, nem modelo mudaram, só aumentaram o tamanho da cova.

E talvez até não queira repetir os mesmos erros. Seria uma novidade na esquerda.

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