EUA: mais crimes em áreas onde houve protestos contra a polícia
Policiais se retraem ou até simplesmente abandonam a profissão, abrindo caminho para a criminalidade justo nas áreas mais complicadas
Uma das palavras de ordem mais constantes do Black Lives Matter nas manifestações de protesto do ano passado pedia “cortar as verbas da polícia”.
Em lugar de exigir treinamento e comportamento dos agentes da lei de forma a que não se repetisse uma barbaridade como o assassinato de George Floyd, os manifestantes levantaram a bandeira alucinada da pura e simples extinção da polícia, através da desidratação monetária.
Um dos lugares onde a pregação mais emplacou foi justamente em Minneapolis, a cidade onde aconteceu o homicídio público que chocou o mundo, numa banal ocorrência de rua.
Os resultados estão aparecendo agora: a polícia se retraiu e os crimes aumentaram, sem que, obviamente, nada disso beneficie a população.
Nos doze meses seguintes ao assassinato de Floyd, as operações de rua para flagrar delitos de trânsito caíram 74%. O patrulhamento de “áreas problemáticas” – ou seja, bairros pobres, onde acontecem mais crimes – encolheu 76%. Foi igual – 75% – a queda nas batidas em que suspeitos, reais ou imaginários, são parados na rua.
Os números foram levantados pela agência Reuters, numa investigação que também detectou outro fenômeno preocupante: há policiais de Minneapolis que estão demorando mais para atender chamados de emergência, esperando que a situação se resolva sozinha antes que interfiram.
Geralmente, essas ligações envolvem violência doméstica. Em casos assim, com ânimos extremamente exaltados, os agressores podem resistir à intervenção policial e a coisa termina em tragédia. Se for negro, o morto vira um mártir e o policial um monstro, demitido, preso, processado civil e criminalmente, com o endereço da família exposto nas redes sociais e ampla execração pública, mesmo que não venha a ser condenado.
“Ninguém nessa profissão pode culpar os policiais por serem menos agressivos”, defendeu Scott Gerlicher, um comandante que se aposentou esse ano.
Antecipar a aposentadoria ou simplesmente largar o emprego também se tornaram frequentes na “linha azul”, como são chamados os policiais, por causa do uniforme.
Uma pesquisa feita em junho em 200 departamentos policiais por um centro de estudos mostrou que entre 2020 e 2021 houve um aumento de 45% nos pedidos de aposentadoria e de 20% nos pedidos de demissão. O recrutamento de novos policiais caiu 5%.
A criminalidade é um fenômeno complexo, que nunca tem apenas uma, duas ou três causas, mas é impossível não estabelecer uma correlação entre o encolhimento das forças policiais e o aumento de indicadores como o de homicídios.
Nos seis primeiros meses desse ano, no país todo, os homicídios aumentaram 16%. No ano passado, o aumento foi de 25%. Numa cidade como Portland, que virou uma espécie de central de protestos, os homicídios saltaram de 11 no mesmo período do ano passado para 47.
Da perspectiva brasileira, parece coisa leve, mas é chocante nos Estados Unidos, onde há décadas os homicídios caem continuamente. De 1991 a 2014, a queda foi de 54%.
Outros crimes violentos, como roubos e assaltos residenciais, continuam a seguir a tendência de queda.
Além da retração na atividade policial, outra causa especulada para o aumento no número de homicídios é que, devido à pandemia, o sistema judiciário em várias regiões diminuiu as prisões provisórias ou penas de prisão, para encolher a população carcerária e seu potencial como foco das contaminações.
Sem a punição que mais conta, a privação de liberdade, muitos criminosos continuaram em liberdade e “evoluíram” para crimes mais graves. Como no Brasil, grande parte dos crimes de sangue decorre do tráfico de drogas e das disputas entre quadrilhas.
Ao contrário do que os casos que despertam mais atenção parecem demonstrar, mais de 90% dos homicídios de homens negros são perpetrados por criminosos negros.
Em 2020, policiais mataram 457 brancos, 241 negros, 169 hispânicos e 126 não identificados.
O aumento no número de homicídios tem intrigado os especialistas. O Washington Post anotou que, no ano passado, “a criminalidade em geral pareceu diminuir em muitas cidades à medida em que o comércio fechou, as pessoas recolheram-se em casa e a rotina das atividades sociais se alterou. Mas ao contrário de crimes de rua, como roubos e assaltos a lojas, os homicídios não diminuíram, sugerindo que as atividades de homens jovens que mais tendem a cometer homicídio não foram afetadas pelo lockdown”.
Tradução: os crimes envolvendo traficantes de drogas continuaram.
“Existe uma grande quantidade de evidência científica mostrando que, quando as cidades contratam mais policiais, a violência tende a diminuir e que, quando áreas de alta criminalidade têm presença policial maior, o crime cai”, disse o Post.
O jornal, um dos pilares do liberalismo, não aceita a associação feita entre retração da atividade policial, devido aos protestos, e o aumento no número de homicídios. Muito contra a vontade, admite que o aumento no número de armas (39 milhões só no ano passado) também não pode ser a explicação.
“Entre 2000 e 2014, o FBI processou mais de 100 milhões de checagens para a compra de armas, enquanto o índice nacional de homicídios caiu 18%”.
Além disso, “as armas usadas em crimes tendem a ser surpreendentemente velhas – com dez ano, em média. É relativamente incomum que armas compradas recentemente sejam usadas em homicídios”.
As múltiplas causas do aumento do número de homicídios ainda serão devidamente detectadas e investigadas no futuro – e seria bom que houvesse policiais em número suficiente para conhecê-las e combatê-las devidamente.
Inclusive porque este tipo de conhecimento pode ser compartilhado com outros países. Mesmo com as enormes diferenças sociais e econômicas, o Brasil só tem a ganhar quando uma potência investigativa como os Estados Unidos aprende mais sobre os motivos da criminalidade.