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Fechar a fronteira ou abrir a porteira: governos tremem e caem

Dos Estados Unidos à Alemanha, passando por uma constelação de outros, a questão da imigração indesejada é o maior fator de instabilidade do momento

Por Vilma Gryzinski 4 jul 2018, 07h12

Para os românticos desinformados ou antiquados, que ainda vivem como se John Lennon tivesse acabado de cantar  Imagine, o mundo atual é um lugar maravilhoso em que diferentes nacionalidades e etnias mudam de país como querem e contribuem saudavelmente para melhorar a vida de seus felizes anfitriões.

No mundo real, a questão da imigração indesejada, sejam refugiados de guerra ou migrantes econômicos em busca de novas oportunidades ou generosos benefícios sociais, provoca novos fenômenos políticos.

Uma rápida lista dos acontecimentos recentes sobre os quais essa questão teve influência fundamental: Brexit, vitória de Donald Trump, eleição de um punhado de governos em países da Europa do Leste e mais recentemente na Itália, abalo profundo e talvez irrecuperável na até então inexpugnável Angela Merkel.

Sem contar fatores como o instrumento poderoso de que a Turquia passou a dispor como “dona da chave” que pode conter ou liberar novas ondas de refugiados vindos da Síria e a transformação da Líbia num inferno maior ainda, como se isso fosse possível, pela exploração e escravização em massa de pessoas vindas da África subsaariana.

Como consequência disso, proliferaram as vastas redes de contrabando, com óbvia participação das assim chamadas autoridades, nascidas  justamente para promover o comércio de gente.

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E a sua contrapartida: ONGs europeias ou americanas que prestavam assistência a vítimas de guerra ou da fome transformaram-se num dos elos mais importantes dessa cadeia, especializando-se em recolher migrantes, na esmagadora maioria africanos, logo depois das águas territoriais da Líbia e levá-los, até recentemente à Itália.

De lá, quase 100% das mulheres vão para a prostituição dominada por máfias. A mais poderosa é a dos nigerianos. As mulheres já chegam endividadas com o preço da “passagem” – transporte por terra até o litoral líbio e depois nos botes de borracha até os navios das ONGs, com estupros e abusos hediondos no caminho.

Os homens, que também pagam centenas de dólares saídos de empréstimos entre familiares ou fontes de renda não exatamente esclarecidas, querem ir para a Alemanha ou a Suécia, onde os benefícios são mais generosos.

Quando não conseguem, são absorvidos pelo comércio ambulante, o tráfico de drogas ou a longa espera em centros para refugiados. Não vai muito além a contribuição para o imaginário mosaico multicultural.

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Nos Estados Unidos, o assunto está pegando fogo. As muitas camadas da oposição a Donald Trump viram no aperto dos controles fronteiriços com o México, por onde entram as massas vindas da América Central e até da Ásia, a oportunidade ideal para enfraquecer o governo odiado por todo o espectro que começa no centro-direita e caminha em direção à esquerda.

Separar os filhos dos pais que entram ilegalmente no país e, por isso, devem ser submetidos a processo é uma prática que vem desde os últimos dois presidentes. Se os pais estão detidos, o que fazer com as crianças? Deixá-las à própria sorte? Despachá-las de volta?

Na verdade, a grande maioria dos menores enviados a abrigos são adolescentes que chegam sozinhos (e depois são encaminhados à adoção provisória). Nada disso conta diante da imagem da menininha chorando, mesmo que não tenha sido separada da mãe em nenhum instante.

Diante da comoção nacional autêntica,  os muitos campos da oposição concentraram todos os esforços, protestos e manifestações na questão da separação das famílias. O fato de que Trump tenha assinado o fim do sistema não interfere absolutamente em nada pois o assunto agora está na esfera da disputa política.

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Só para lembrar: a eleição de novembro, com Câmara e Senado em jogo, está chegando; foi aberta uma nova vaga na Suprema Corte e em algum momento próximo Robert Mueller terá que apresentar a conclusão de sua investigação sobre a interferência russa no processo eleitoral americano. Ou seja, só questões de vida ou morte.

Alguns trumpistas acreditam que quanto mais a oposição se joga de cabeça no tema imigração ilegal, melhor para os republicanos.

Maluquices como protestos pelo “fim das fronteiras” só podem influenciar negativamente o eleitorado, que não quer ver criancinhas chorando, mas tampouco aceita um conceito que equivaleria a porteira aberta para criminosos ou terroristas.

Talvez alguns ótimos jogadores de futebol viessem junto, mas mais de 70% dos americanos não estão exatamente impressionados com esta  possibilidade. Preferem os imigrantes que passam por processos oficiais, com documentos cheios de carimbos, mesmo que virtuais, como aconteceu com seus antepassados.

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Os analistas trumpistas, uma minoria entre as minorias, também acham que os exageros igualmente destemperados, como as propostas de pura e simples extinção do ICE, o contingente policial dedicado diretamente ao controle da imigração ilegal, são resultado da disputa interna no Partido Democrata entre a turma mais tradicional e a ala de esquerda.

Aliás, tão de esquerda que até Bernie Sanders, o consagrado stalinista que chegou a estremecer a campanha de Hillary Clinton, está sendo criticado por não aderir ao movimento que pede o fim do ICE, chamado, obviamente, de Gestapo – não existem mais os mecanismos que mantinham as ordens de grandeza política nos limites da lógica.

A escolha da jovem Alexandra Ocasio-Cortez nas primárias do Partido Democrata como candidata por um distrito nova-iorquino é um exemplo dessa disputa.

Alexandra tem 28 anos, é filha de arquiteto, estudou boas escolas e morou num dos bairros mais ricos dos Estados Unidos. Equivaleria, no Brasil, às jovens que frequentam a Getúlio Vargas e votam no PSOL. Agora, ela é votada em vez de votar.

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Não existe proposta radical que Alexandra e seus pares não apoiem. Como sua eleição é garantida num distrito em que o Partido Democrata é hegemônico, ela vai fazer companhia na Câmara dos Deputados a Maxine Waters, de 78 anos, e linguagem igualmente inflamada.

A veterana deputada também é considerado um dos maiores trunfos do Partido Republicano: cada vez que fala alguma coisa, imaginam os estrategistas, são mais votos independentes que os candidatos democratas perdem.

Novembro está praticamente aí, com os seguintes acompanhamentos. A Nicarágua de Daniel Ortega, nominalmente sandinista (como o prefeito de Nova York, Bill De Blasio), está se afundando em caos econômico e brutal repressão.

Na Venezuela, até o que parece impossível piorar, piora (a diferença é que os venezuelanos nem têm mais meios para pagar os coiotes e  fogem a pé para a Colômbia e o Brasil).

O México corre o risco de entrar para o grupo dos países falidos, onde os cartéis da droga são tão poderosos que não importa mais quem está no governo – e quem estará é Andrés Manuel López Obrador, da comprovadamente desastrosa estirpe populista de esquerda.

Tudo indica, assim, que o movimento ao longo da fronteira só vai aumentar. E Trump ainda nem conseguiu a verba para erguer o muro. Se o Partido Democrata recuperar a maioria na Câmara, daí está garantindo que não sai mesmo o dinheiro.

Está armada uma encrenca  maior ainda. Será que Angela Merkel, que está bem quieta esperando a crise passar, sob risco de perder a coalizão de governo, terá algo a comentar a respeito? Emmanuel Macron? Theresa May?

Aconteça o que acontecer, ninguém está cantando Imagine fora das fileiras do pessoal que acredita que fronteiras são construções políticas essencialmente malignas.

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