“Não vou a lugar nenhum”, garantiu o ex-ministro da Economia britânico Kwazi Kwarteng, quando sua queda já estava decidida – e ainda por cima quando ele fazia visita oficial aos Estados Unidos, igualzinho ao que aconteceu com a argentina Silvina Batakis, a breve (24 dias no cargo).
“Não tenho medo de ser impopular”, disse a primeira-ministra Liz Truss ao insistir que não ia mudar nada no seu programa econômico que, durante alguns dias, pareceu empurrar a Grã-Bretanha para o abismo.
Não só mudou tudo, como teve que aceitar um adversário nas fileiras do Partido Conservador, Jeremy Hunt, no lugar de Kwarteng, amigo e companheiro de ideias libertárias que produziram um plano de dinamização da economia através de desonerações fiscais, tanto para pessoas físicas quanto empresas, e flexibilização do intervencionismo regulador.
Foi bom enquanto durou – uns quinze minutos mais ou menos.
A reação do mercado foi catastrófica, com a previsão de aumento da dívida pública enfraquecendo a libra e a credibilidade do país. A maior crítica ao programa é que não previa como compensar a perda de arrecadação e o aumento de gastos como o subsídio às contas de luz, disparadas pelo efeito Ucrânia.
Entre os próprios comentaristas econômicos identificados com os princípios liberais houve um choque de opiniões. Uma parte menor achou que era a última chance da Grã-Bretanha de adotar um modelo econômico voltado para o crescimento, com incentivos ao risco e ao empreendedorismo, afastando-se da ortodoxia que produziu o marasmo europeu.
Uma parte maior achou que era simplesmente loucura fazer isso como Truss e companhia pretendiam e sem a a caixa de ferramentas técnicas para resolver a contradição entre arrecadar menos e gastar mais.
Parlamentares conservadores entraram em pânico e cercaram Truss como “um bando de hienas”. Acabaram impondo a ela a retirada de praticamente todas as suas propostas e o nome de Hunt.
“A política britânica precisa sempre operar dentro de certos parâmetros; qualquer um que ouse avançar uma polegada para a direita ou para a esquerda sentirá o peso da força do establishment”, escreveu no Telegraph um bom conhecedor das entranhas do poder, Tim Stanley.
Foi ele quem comparou a derrocada de Liz Truss a “um golpe muito britânico”. Não mandando tropas cercar o Parlamento, pois seria contrário ao espírito britânico, “fora o fato de que nem temos um Exército”, mas através da perda da credibilidade “via mercados, o Banco, o FMI ou o nosso bom amigo, o Tio Sam”.
A cena de Joe Biden tomando sorvete e dizendo “não fui o único que achou que era um erro” a proposta da primeira-ministra foi apenas a humilhação final. O derretimento de Truss já estava no ciclo final. Àquela altura, o índice de aprovação a ela estava em 16%. Se a eleição geral fosse agora, o Partido Trabalhista, de oposição, elegeria estarrecedores 507 parlamentares, contra 48 para os conservadores.
Foi, obviamente, a perspectiva da catástrofe econômica e política que mobilizou integrantes do Partido Conservador a enquadrarem a primeira-ministra de uma forma tão pública e definitiva.
Muitos acreditam que, mesmo tendo recuado em todos os seus princípios, Liz Truss não tem condições de permanecer à frente – apenas nominal – do governo. Pelo menos cinco parlamentares estão pedindo publicamente que ela renuncie. Nos bastidores, jorra sangue metafórico.
Para que seus adversários internos forcem uma moção de não-confiança, como é próprio dos sistemas parlamentaristas, terão que mudar as regras do jogo. Pelas que estão em vigor atualmente, a votação só pode ser feita depois que o chefe de governo completa um ano no cargo. Se as regras forem mudadas e o estado de pânico que reina entre os conservadores produzir um acordo unânime, Rishi Sunak, o candidato derrotado por Truss, seria uma espécie de vencedor por consenso.
Rishi tem a vantagem de ter previsto, sem meias palavras, que o programa proposto pela rival era um “conto de fadas”.
Se a conspiração contra Liz Truss der certo, ela se tornará a recordista em mandatos encurtados. Tirando os que morreram, o primeiro-ministro mais breve foi Alex Douglas-Home, que passou um ano e um dia à frente do governo.
O fato mais notável de sua carreira só foi revelado no diário de um amigo em 2008: Douglas-Home convenceu dois estudantes de esquerda a desistir de um plano extremamente amador para sequestrá-lo.
Os estudantes bateram à porta da casa de campo na Escócia onde Douglas-Home estava hospedado – sozinho, pois não havia quarto disponível para seu segurança -, o próprio atendeu e eles anunciaram seu projeto.
O primeiro-ministro argumentou que, se fizessem isso, o Partido Conservador conseguiria uma maioria de 200 ou 300 deputados. Depois, pediu para fazer uma mala de mão. E ofereceu uma cerveja. Assim foi ganhando tempo até os donos da casa voltarem e os estudantes desistirem da insanidade.
Para Liz Truss, parece que não existe cerveja que dê jeito. É insustentável que continue no governo com uma mínima capacidade de atuação e com o poder de decisão transferido para Jeremy Hunt. Ela se tornou tóxica – e também envenenou por muitos anos a ideia de uma virada à la Margaret Thatcher para produzir um círculo econômico virtuoso de crescimento econômico movido pelas forças do mercado.
“Temos que nos preparar para uma economia estagnada, de crescimento zero e impostos altos”, disse o comentarista Matthew Lynn ao prognosticar que “a transformação da Grã-Bretanha na nova Itália está quase completa”.
“Acredito que a marca de um político honesto é o que diz ‘Cometi um erro’”, flagelou-se, inutilmente, a primeira-ministra.
A marca de um político hábil é não precisar chegar a esse ponto.