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Guia rápido para o quebra-cabeças de Israel e palestinos

O que muda quando for anexada oficialmente uma parte da Cisjordânia que na prática já tem presença consolidada de israelenses judeus

Por Vilma Gryzinski 29 jun 2020, 07h28
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  • Guerra e paz são as apostas mais altas do jogo que Israel joga desde antes da criação do estado moderno, em 1948.

    Um grande lance nessa mesa está sendo esperado esta semana, sob a forma de um anúncio da anexação de 30% da Cisjordânia.

    Para entender o que está em jogo, ajuda levar em conta alguns fatores:

    1. A Cisjordânia é o nome de um país que nunca existiu. Se vier a existir, como seria justo, se chamaria Palestina.

    Designa um território em formato de feijão de apenas 5.400 quilômetros quadrados, quase a metade do tamanho da Grande São Paulo.

    Fica na margem oeste do bíblico rio Jordão – aliás, tudo ali é bíblico. Inclusive os nomes que Israel usa para designar a região, Judeia e Samaria.

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    Para simplificar, muitas vezes se diz “o território sob ocupação israelense desde 1967”.

    É uma simplificação errada pois dá a impressão de que o exército israelense foi lá e tomou a região, por expansionismo.

    Ao vencer extraordinariamente a guerra preparada pelos países árabes vizinhos, Israel tomou três territórios que considerava estratégicos.

    São eles a Cisjordânia, incluindo o lado ocidental de Jerusalém, que tinha sido tomada pela Jordânia; as montanhas de Golã, na fronteira com a Síria, anexadas oficialmente; a península do Sinai, devolvida ao Egito em troca de um tratado de paz, e a Faixa de Gaza.

    Os acordos de Oslo abriram caminho para que a liderança exilada da Organização de Libertação da Palestina, com Yasser Arafat à frente, voltassem para o que seria um projeto de estado na Cisjordânia e em Gaza (desde 2007, a faixa de terra desértica está sob controle do Hamas, depois de um curto e cruel choque interno com a OLP).

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    As áreas sob controle da Autoridade Palestina, como se chama até hoje o governo que não consegue ter um estado próprio, são salpicadas como uma onça pintada.

    Nos mapas, subdividem-se em áreas A, B e C, indicando onde o controle de Israel continua total, onde é compartilhado com a Autoridade Palestina e onde existe autonomia palestina.

    2. As “colônias” israelenses são uma designação que não retrata a realidade. Podem ir desde pequenos núcleos habitados por praticantes das vertentes mais ortodoxas da religião judaica até cidades modernas, ao estilo ocidental.

    Cerca de 400 mil israelenses judeus vivem nessas “colônias” e a anexação abarca justamente suas áreas.

    Com a anexação, 70 mil palestinos passariam a ser cidadãos israelenses, com todos os direitos.

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    Esta é a hipótese mais complicada, inclusive entre os próprios palestinos.

    Como tudo que envolve um problema tão incendiário, a palavra “intifada”, a revolta desarmada que já explodiu antes, sempre acompanha a ideia da anexação.

    Muito menos falada, ou sequer sussurrada, é a possibilidade de que, fora os protestos regulamentares, existam palestinos que prefiram um RG israelense, principalmente pela facilidade para encontrar trabalho.

    As ameaças não realizadas de botar fogo no Oriente Médio que se seguiram à decisão americana de reconhecer Jerusalém como capital de Israel são sempre lembradas pelos partidários da anexação de uma parte da Cisjordânia.

    Também é fato que os países árabes fizeram todo o teatro da condenação, mas não passaram disso.

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    Incluem-se na lista Egito e Arábia Saudita, os dois países árabes de maior peso.

    Falar uma coisa e fazer outra é uma prática consagrada.

    Atualmente, quem mais manifesta repúdio à anexação é a Jordânia, inclusive pelo potencial de encrencas internas – mais de 50% de seus habitantes são palestinos.

    Numa iniciativa rara pelo modo como foi divulgada, o chefe do Mossad, Yossi Cohen, foi falar pessoalmente com o rei Abdullah.

    Só pode ter levado alguma – ou mais de uma – promessa boa, como forma de amenizar o choque da anexação.

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    Fora o Egito, a Jordânia é o único país que tem um tratado de paz com Israel. É uma das únicas vantagens de um país sem petróleo, sem dinheiro, sem um exército viável e com capacidade limitada de exercer pressão diplomática.

    A grande pressão contra a anexação virá do mundo inteiro, fora os Estados Unidos.

    3. Benjamin Netanyahu está aproveitando uma “janela de oportunidade” que pode se fechar rapidamente?

    Está prevendo uma derrota de Donald Trump em novembro?

    Quer aproveitar para enfrentar o julgamento por corrupção como o homem que fortaleceu Israel como nenhum outro?

    Uma, ou mais de uma, possibilidade pode ser verdadeira.

    A proposta de paz elaborada pelo genro e assessor de Trump, Jared Kushner, contempla justamente a oficialização dos fatos consumados na Cisjordânia.

    Em troca, aconteceria finalmente a criação de um estado palestino não militarizado, com algumas áreas não contíguas, como exige o tal mapa da onça pintada.

    Kushner é contra a anexação a seco, sem a contrapartida.

    4. Não existe dia tranquilo em Israel. O grande lance da anexação de uma área com alta densidade populacional – ao contrário do Golã – e com extrema resistência externa coincide com o risco de uma nova onda de coronavírus, precipitada pelo fim das quarentenas.

    Fora os ataques a posições controladas pelo Irã na Síria – uma fábrica de processamento de cebola transformada em depósito de armamentos foi um dos alvos.

    E ainda tem os protestos internos. A esquerda é hoje uma força política enfraquecida em Israel, mas com fôlego para criar atritos, principalmente porque um primeiro-ministro em julgamento por corrupção é uma situação única.

    Num dos protestos em frente à residência do primeiro-ministro foi preso um general da reserva.

    Causou atritos com os novos – e desconfortáveis – membros da coalizão que rompeu o impasse político em Israel: Benny Gantz, ex-chefe do estado maior, agora ministro da Defesa aguardando sua vez de ser primeiro-ministro, e Gabi Ashkhnazi, outro nomão saído da reserva e atual ministro das Relações Exteriores.

    Ashkhenazi disse em entrevista que não haverá uma anexação ampliada, incluindo o vale do rio Jordão.

    5. “Afinal de contas, somos chamados de judeus porque somos o povo da Judeia”, argumentou Netanyahu numa mensagem em que “encoraja” os palestinos a negociar.

    A situação da Cisjordânia é complicada pelas camadas históricas que remetem aos tempos bíblicos citados por Netanyahu e pelos acontecimentos mais recentes, a partir do começo do século XX.

    Uma das colônias, Gush Etzion, resume algo dessa história. Nos anos vinte do século passado, judeus procedentes do Iraque estabeleceram as primeiras comunidades na região, em terras compradas aos proprietários árabes.

    Quase simultaneamente, começavam as revoltas árabes contra o domínio do decadente Império Otomano e a recriação de países sob influência das duas potências ocidentais, Inglaterra e França.

    Primeiro como Transjordânia e depois Jordânia, o país árabe mais diretamente envolvido agora com a anexação foi à guerra contra a decretação de um estado judeu numa estreita faixa de território.

    Nessa guerra da independência de Israel, em 1948, os jordanianos da Legião Árabe, na época treinados pelos ingleses, tomaram as colônias judaicas, inclusive Gush Etzion.

    Mulheres e crianças já haviam sido tiradas de lá. Cercados, sem suprimentos e numericamente inferiores, os 133 residentes que defendiam Gush Etzion se renderam; 125 foram executados.

    O massacre de Gush Etzion, que veio junto com toda a Cisjordânia na guerra de 1967, ocupa um lugar quase mitológico na narrativa do Estado de Israel.

    Não existe hipótese de que um lugar assim seja devolvido ao controle árabe, como diz a letra da lei internacional.

    Ao contrário, ele estará entre os primeiros a fazer parte, oficialmente, de Israel.

    E são quase nulas as chances de que a Autoridade Palestina aceite sequer cogitar a possibilidade de uma negociação territorial que não inclua a “sua” parte de Jerusalém.

    Como sempre, o impasse continua impenetrável.

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