Sete espetaculares diamantes amarelos engastados entre pedras brancas num par de brincos no estilo lustre de cristal foram um mistério que durou anos: de onde Meghan Markle, a mulher do príncipe Harry, havia tirado uma joia tão chamativa, nunca antes vista?
Geralmente, a assessoria de imprensa dos membros da realeza identifica as peças usadas em público — “broche da rainha Mary”, “colar da rainha mãe” — para facilitar o trabalho dos repórteres.
Não foi o caso dos brincos usados por Meghan durante uma visita oficial à ilha de Fiji em outubro 2018. A única informação foi que eram “emprestados”. O motivo do “segredo” acabou aparecendo bem depois: a joia, avaliada em 650 mil dólares, possivelmente parte de um conjunto com colar e outras peças, era um presente de casamento do príncipe Mohmmed Bin Salman, o herdeiro saudita que na prática detém o poder.
Tinha sido uma péssima escolha em termos de diplomacia e imagem. Dias antes, a CIA havia divulgado um relatório colocando o príncipe como o responsável final pela morte, esquartejamento e desaparecimento do cadáver do oposicionista Jamal Khashoggi, capturado durante uma visita ao consulado saudita em Istambul para tirar um documento.
Quando a origem da joia foi identificada, Meghan e Harry já haviam largado a família real e ido morar nos Estados Unidos.
Nesse caso, ela não tem mais acesso à cascata de diamantes amarelos. A joias presenteadas a membros da família real passam a pertencer à Coroa – com maiúscula, porque é uma instituição. O rei ou rainha podem permitir a presenteadas usar as joias por quanto tempo quiserem, mas elas não podem ser legadas ou doadas.
Assim, a atual rainha consorte, Camilla, pode desfilar à vontade com os fabulosos presentes recebidos de monarcas sauditas: não apenas um, mas dois colares de diamantes e rubis estilo “babador” (cobrem todo o colo), outro de esmeraldas quadradas, mais um com safiras deslumbrantes. Só não pode deixá-los em testamento à filha, Laura, ou às netas adolescentes, Eliza e Lola.
Faz parte da tradição dos países do Golfo Pérsico presentear interlocutores importantes e até meros jornalistas, que precisam usar de muito tato para não ofender os anfitriões ao explicar as razões de ética profissional que os impedem de aceitar presentes valiosos. Homens de negócios andam com pastas cheias de relógios para distribuir generosamente.
A generosidade é multiplicada por centenas de vezes quando envolve membros da família real britânica da qual reinos como a Arábia Saudita foram dependentes na era colonial e que procuram emular em vários costumes.
A joias chegam a ser chamadas pelos nomes dos presenteadores. Assim, a falecida rainha Elizabeth II usava frequentemente o “colar do rei Faisal”, uma resplandescente peça da joalheria Harry Winston com mais de 300 diamantes montados em platina. O colar foi presenteado quando Faisal visitou o Reino Unido em 1967. Elizabeth o emprestou às noras Diana e Sophie, mulher do filho mais novo dela, príncipe Edward, para ocasiões oficiais.
Mais uma peça deslumbrante, o “colar do rei Khalid”, entrou para a coleção da rainha quando ela visitou a Arábia Saudita. Também foi muito associado a Diana, que tinha seu próprio conjunto de safiras — colar com uma enorme pedra birmanesa, pulseira, brincos, anel e relógio —, um presente de casamento do rei Fahd. Charles ganhou uma caixa de malaquita e ouro, com o emblema saudita de palmeira e cimitarras cruzadas.
Todos os presentes constam da lista que os membros da realeza têm que apresentar anualmente, incluindo desde modestos livros ou brinquedos para as crianças da família real, além de curiosidades como um ovo de albatroz (Nova Zelândia) e uma caixa de botões para blazer (Omã).
Quando a rainha Ellizabeth foi coroada, o governo Getúlio Vargas a presenteou com um colar e brincos de gigantescas água-marinhas brasileiras. Ela gostou tanto das pedras, com seu suave e transparente tom de azul, que depois mandou fazer uma tiara para combinar.
A falecida Lúcia Flecha de Lima, mulher do embaixador brasileiro em Londres na época, presenteou Diana com uma água marinha de 13 quilates. Um presente pessoal: eram amigas e Diana já estava saindo da família real por causa do divórcio. Ela mandou fazer um anel com a pedra, usado por Meghan no seu casamento, depois que trocou o traje de noiva por um vestido branco com as costas de fora.
Parece estranho dar joias a pessoas que já têm a seu dispor as maiores coleções de preciosidades do mundo, mas as mulheres da realeza acham que sempre cabe mais uma no cofre.
É lógico que presentes valiosos têm a função de conquistar simpatias. Mas os dois milhões de dólares em diamantes dados pela Arábia Saudita a Nancy Reagan — todos devidamente incorporados aos National Archives, o órgão que cuida do legado dos presidentes, pois eram ligeiramente superiores ao limite de 35 dólares por presente que pode ser conservado — nem se comparam às centenas de bilhões em compra de armamentos americanos.
Alguns presentes entram para o patrimônio histórico, como a escrivaninha enviada em 1880 pela rainha Vitória para o presidente Rutherford Hayes, feita com madeira do navio Resolute, encalhado no gelo durante uma expedição ao Ártico e resgatado por americanos. Ela continua até hoje no Salão Oval.
Qualquer coisa que seja de comer, beber, passar na pele ou feita de material combustível nem chega perto do presidente americano — o Serviço Secreto intercepta.
É impossível saber qual foi a reação da segurança real quando a rainha Elizabeth ganhou de presente um modelo do Portão de Brandeburgo feito de marzipã. Provavelmente, ela não comeu nem um pedacinho da instalação.
Além do conjunto de águas marinhas, a rainha também ganhou dois bichos preguiça brasileiros.
Mais fácil ficar com as joias, mesmo. Mas ter o cuidado de checar a origem e o panorama político do momento, um detalhe que a esperta Meghan deixou passar quando usou os brincos de diamantes amarelos — “manchados de sangue”, protestaram alguns dos raros oposicionistas sauditas.
Meghan voltou a usar os brincos apenas uma vez, numa festa de aniversário do sogro, hoje rei Charles.