“O FMI tornou-se um vetor de complacência, espalhando o caos por onde quer que vá. Membros do FMI deveriam varrer do mapa sua liderança inepta e preguiçosa”.
Poderia ser um militante peronista dizendo isso, mas o autor das críticas é Matthew Lynn, comentarista financeiro do liberal clássico Telegraph, indignado com a “intervenção ridícula” do Fundo quando o novo governo da primeira-ministra britânica, Liz Truss, anunciou um pacote de medidas que fez a libra cair – hoje, por motivos diferentes, a esterlina voltou a despencar.
Outro colunista do jornal – onde não há, absolutamente, unanimidade sobre o pacote de corte de impostos e regulamentações para insuflar o PIB – celebrou quando o FMI reconheceu que o projeto do governo ajudará a Grã-Bretanha a ter o maior crescimento entre os países do G7, de 3,6% (mas terá também a inflação mais alta).
No seu relatório semestral de monitoramento da economia global, o Fundo também alertou os bancos centrais a “manter o rumo” no combate à inflação e que “o pior ainda está por vir”, com um terço da economia mundial entrando em recessão no próximo ano.
Fazer este tipo de alerta e ser um bastião da ortodoxia econômica quando os heterodoxos, aqui sinônimo de gastadores, quebravam e tinham que apelar para o último recurso – criado exatamente para isso – sempre foram atributos do FMI, saído da histórica conferência de Bretton Woods, em 1944.
Por causa de um acordo com o FMI, os kirchneristas armaram um conflito nada sutil com o governo do presidente Alberto Fernández. Como manda a tradição, o governo teve que se comprometer a equilibrar o orçamento e cortar subsídios altíssimos, como o feito ao consumo de energia, para garantir o empréstimo de 44 bilhões de dólares.
A Argentina é um caso totalmente fora da curva: já assinou mais de vinte acordos com o FMI, na maioria desencadeando as críticas de esquerda ao que sempre foi pintado como submissão ao malvado capitalismo internacional (sinônimo de Estados Unidos, caso alguém tenha alguma dúvida).
O curioso é que mesmo com um devedor sistemicamente nada confiável como a Argentina, o FMI pisa em ovos. Ou pelo menos não faz críticas abertas e agressivas como as disparadas no final de setembro contra o pacote de Liz Truss e seu ministro da Economia, Kwasi Kwarteng.
“Diante das pressões inflacionárias crescentes em muitos países, incluindo o Reino Unido, não recomendamos pacotes fiscais grandes e genéricos nesse momento, da mesma forma que é importante que a política fiscal não trabalhe em oposição aos objetivos da política monetária”, disse um porta-voz do FMI na época.
A declaração, juntamente com advertências da Moody’s sobre o risco-país, o aumento da taxa de juros e o perigo enfrentado por fundos de pensão não só alimentou o momento de crise da libra como deu a impressão de que o mundo estava caindo sobre a cabeça dos britânicos.
A reação ecoou, em certos aspectos, as críticas feitas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, no mês passado, quando disse que o FMI “não ajudou em nada, só atrapalhou” em 2020, quando projetou uma queda de 9,1% do PIB brasileiro por causa da pandemia – o número real foi de 4,1%.
A diferença é colossal e as explicações são falhas, mesmo que se admita a existência, no FMI, da categoria “economistas com raiva do governo”, uma nova contribuição brasileira ao dicionário mundial das maluquices para justificar projeções erradas.
O FMI já havia errado em previsões do crescimento da economia britânica na época em que tinha como diretora-gerente a francesa Christine Lagarde. A atual presidente do Banco Central Europeu chegou a brincar perguntando se precisava se ajoelhar para pedir desculpas pelo erro.
Quem já não concordava com Christine Lagarde passou a gostar menos ainda de sua substituta, Kristalina Georgieva.
A economista búlgara que fez carreira nos altos escalões da burocracia global – Comissão Europeia e Banco Mundial – tem um currículo manchado. Uma investigação interna concluiu, no ano passado, que ela havia pressionado funcionários do Banco Mundial a manipular dados e melhorar a posição da China numa lista de melhores países para fazer negócios.
Mas ela foi “perdoada” pelo conselho de administração do FMI, criando a impressão de que a) a casta da burocracia mundial tem um forte espírito de corpo e b) qualquer coisa que envolva a reputação da China tem uma impressionante tendência a ser abafada.
O FMI muitas vezes é acusado de notícias ruins pelas quais não é o responsável, apenas o portador. As últimas projeções de recessão numa economia importante como a da Alemanha são de doer, independentemente de simpatias políticas.
A economia, evidentemente, não é uma disciplina neutra. Basta ver as críticas feitas ao Nobel de Economia dado a Ben Bernanke, o ex-presidente do banco central americano que, dependendo da ótica, salvou o mundo da falência na crise de 2008 ou abriu as portas da enxurradas de dinheiro cujos efeitos deletérios são vistos até hoje.
Organismos mundiais, evidentemente, precisam ser regidos pela imparcialidade, sem simpatias ou antipatias pelos governos de plantão – que por sinal são de países sócios do FMI, pagando inclusive seus 2 400 funcionários.
É gente demais para fazer previsões erradas ou distorcidas.