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Lições da história para perdedores: grandeza é maior que raiva

Enfiar a viola no saco e não passar recibo da bronca são atitudes de grandes líderes rejeitados nas urnas, condenados na justiça ou até executados

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 30 jul 2020, 20h36 - Publicado em 24 jan 2018, 15h44
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  • O que dizer quando se perde o jogo ou, em casos mais extremos, a cabeça? Charles de Gaulle deixou um exemplo perfeito de laconismo diante da derrota.

    “Deixo de exercer minhas funções de presidente da república. Esta decisão entra em vigor hoje ao meio-dia”.

    Dezessete palavras encerraram a carreira do monumental líder francês, derrubado por um plebiscito sobre reforma política que ele havia transformado numa consulta sobre si mesmo.

    As forças da história da qual ele se considerava um ungido haviam mudado e onze anos como presidente diminuído a admiração quase temerosa dos franceses. Nas urnas, 52,4% votaram contra no dia 27 de abril de 1969.

    Ele mandou divulgar sua renúncia dez minutos depois da meia-noite. Depois, foi passar férias na Irlanda.

    “O veredito do eleitorado foi avassaladoramente manifestado”, reagiu, de forma igualmente lacônica, outro gigante, Winston Churchill, agora redescoberto via séries e filmes como Dunquerque e O Destino de Uma Nação.

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    A catastrófica derrota nas urnas do vencedor da Segunda Guerra menos de três meses depois da rendição da Alemanha virou um clássico das surpresas eleitorais .

    E praticamente espelhou uma de suas tiradas famosas: “A política é a habilidade de prever o que vai acontecer amanhã, na semana que vem, no mês que vem e no ano que vem. E ter a habilidade de explicar depois por que nada daquilo aconteceu.”

    Ter classe no momento da derrota era obrigatório para um neto do duque de Marlborough. E manter o estilo de vida. Depois da derrota, foi passar quinze dias no Lago de Como, com a mulher, a filha e o médico.

    Em quinze dias, consumiram 96 garrafas de champanhe. Churchill também tomava diariamente seis ou sete uísques com soda e mais três conhaques.

    Entre as incontáveis honrarias que recebeu, uma das maiores foi ter sido xingado de “bêbado doido” por um abstêmio chamado Adolf Hitler.

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    Quando pegou sua bolsa Launer, a mesma marca usada pela rainha, para ir embora da Downing Street, Margaret Thatcher tinha lágrimas nos olhos e as marcas metafóricas das punhaladas desferidas por seu próprio partido, um risco inerente aos regimes parlamentares.

    As lágrimas já tinham secado quando ela deu um show em seu último debate no Parlamento, em 22 de novembro de 1990. Vestindo um pavoroso conjunto azul com ombreiras, ela enfrentou um ambiente excepcionalmente simpático, entre risadas e aplausos.

    Um parlamentar perguntou se continuaria a ser contra a ideia de um Banco Central europeu – tema que havia precipitado sua queda. “Não, se houver um, ela será a presidente”, brincou outro.

    “Estou gostando muito disso tudo”, disse Thatcher. E emendou: se houvesse um Banco Central europeu, lutaria para que não usurpasse o poder legítimo dos parlamentos nacionais.

    A mulher sabia muito bem quais eram os assuntos importantes – o Brexit foi uma reação à transferência de poder a instituições supranacionais da União Europeia.

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    O primeiro unificador da Europa, na ponta da espada, perdeu o poder, pela segunda e última vez, durante os dias catastróficos que se seguiram à derrota em Waterloo.

    Enfiado no Palácio do Eliseu, Napoleão sabia que estava perdido, mas oscilava entre assumir a realidade ou atender aos apelos do irmão, Lucien, para decretar outro 18 de brumário, um golpe com os remanescentes do exército destroçado e do povão apavorado com a chegada dos invasores estrangeiros.

    Se Napoleão não fosse uma figura tão maior do que tudo, os últimos dos históricos 100 dias teriam ares de comédia, com deputados da Assembleia Nacional fingindo que aceitavam suas exigências, das quais a mais inexequível era abdicar em favor do filho, enquanto manobravam para tirá-lo de cena com o menor prejuízo possível.

    Difícil numa situação em que ingleses e holandeses avançavam sobre Paris de um lado, prussianos de outro, com russos e austríacos esperando sua vez em países vizinhos. Sem contar as tropas realistas de Luís XVIII, louco para retomar seu trono.

    A Assembleia Nacional da época tinha algo de PMDB na compulsão ao adesismo. Mas tinha também figuras como Benjamin Constant, que saudou Napoleão em suas memórias por resistir ao golpismo.

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    “Contando com um exército ainda invencível e uma multidão galvanizada pelo som do seu nome”, preferiu abrir mão do poder “a disputá-lo pelo massacre e pela guerra civil”, escreveu, num elogio considerável ao homem que havia chamado de “Átila, Gengis Khan, ou mais odioso e terrível ainda”.

    Depois da queda do imperador, o republicano Constant apelou ao rei restaurado em favor de um dos generais de Napoleão, Charles Huchet de la Bédoyere, um dos primeiros a aderir a Napoleão em seu retorno da ilha de Elba. Em vão.

    General de divisão aos 29 anos, ele enfrentou o pelotão de fuzilamento com a bravura e o laconismo dos grandes. “É aqui que precisam atirar”, disse, mostrando o coração.

    Laconismo, todo mundo sabe, vem de Lacônia, a região grega onde ficava a cidade-estado de Esparta. Os lacedemônios eram um pessoal de poucas palavras.

    Segundo a mais conhecida história sobre espartano, quando o almirante Lisandro infligiu uma derrota esmagadora a Atenas, mandou uma mensagem curta aos éforos, os magistrados-videntes: “Atenas conquistada”. Resposta: “Bastava dizer conquistada”.

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    Bem, esta é uma fake news de 2 400 anos, esclarecida pelo historiador Plutarco como inventada pela graça lacônica.

    O verdadeiro édito dos éforos era mais específico. “As autoridades lacedemônias decidiram: derrube o Pireu e a longa muralha; saiam das cidades e fiquem em seus territórios; se fizerem isso, terá paz, se quiser. Quanto ao número de seus navios, o que for decidido aí, faça.” Os atenienses concordaram.

    A versão curta é muito melhor. Ao contrário de seus discursos sofisticadamente elaborados, as curtíssimas frases de efeito de Churchill também passaram para o folclore político.

    Admitindo em particular a mágoa que não podia assumir em público com a derrota eleitoral, ele foi consolado pela mulher com o óbvio: “Talvez seja um mal que veio para o bem”. Resposta: “No momento, o bem está efetivamente demorando”.

    O uso, aqui, de personagens com lugares gigantescos na história foi absolutamente intencional. Seja na vitória ou na derrota, os maus exemplos, dos quais tantos tão próximos de nós, são muito deprimentes.

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