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Muçulmano, esquerdista, adepto da política identitária governará Escócia

É uma das maravilhas do ex-império britânico: um conservador descendente de indianos em Londres e um filho de paquistaneses em Edimburgo

Por Vilma Gryzinski 28 mar 2023, 07h19
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  • A Escócia virou um país tão ‘woke”, para usar a terminologia da moda, que a palavra “mãe” foi proibida nos documentos oficiais sobre licença maternidade e nem um único estudante que não estivesse na categoria de desvantagem social foi admitido este ano na faculdade de direito da Universidade de Edimburgo.

    Este é um mundo onde o próximo primeiro-ministro, Humza Yousaf, eleito ontem líder do partido independentista majoritário, o SNP, se sente perfeitamente à vontade.

    Yousaf, filho de imigrantes paquistaneses de 37 anos, é um produto da herança do império cujo coração ele pretende ardentemente demolir, aprovando a separação da Escócia. Consequentemente, provocaria a dissolução do Reino Unido da Escócia e da Irlanda do Norte.

    Nessa trajetória, ele inevitavelmente entrará em conflito com outro filho de imigrantes, Rishi Sunak, o primeiro-ministro do Reino, descendente de indianos.

    Ambos progrediram por méritos próprios: estudaram muito e em escolas boas. Sunak ficou milionário no mercado financeiro e se casou com uma mulher mais rica ainda. Yousaf praticamente nunca trabalhou em nada que não fosse seu partido político, pelo qual foi ministro das Relações Exteriores, da Justiça e da Saúde.

    O primeiro choque no horizonte: o governo britânico interferiu na Lei de Reforma da Identificação de Gênero, aprovada pelo parlamento regional, por ser conflitante com a legislação superior.

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    Pela lei escocesa, basta uma autodeclaração para a mudança de gênero. Veio daí a encrenca criada quando se disseminou a história de que Isla Bryson, condenada pelo estupro de duas mulheres quando ainda usava o nome masculino original, estava cumprindo pena numa penitenciária feminina, com todos os seus acessórios de macho no lugar tradicional.

    O caso acabou desencadeando a renúncia da primeira-ministra Nicola Sturgeon, uma líder política que parecia intocável pela capacidade de ganhar eleições, como uma Margaret Thatcher de esquerda. 

    Quando ela renunciou, vieram à tona os motivos verdadeiros: o SNP estava simplesmente se desmanchando sob a liderança ultraprogressista de Nicola, com mais de 30 mil membros tendo deixado o partido. E sua principal bandeira, a independência, tinha chegada ao fundo do poço, com apenas 39% de apoio da população que supostamente é desprezada, subjugada e maltratada pelos pérfidos ingleses.

    É como se a maioria dos escoceses gostasse de ter Nicola Sturgeon no comando do governo, aplaudindo a forma como ele sempre irritou os ingleses, mas não de suas ideias em matéria de separação nacional e também no campo da política identitária.

    A mesma situação será enfrentada por Humza Yousaf. Uma pesquisa de dezembro mostra que 60% dos escoceses são contra homens se declararem mulheres, e vice-versa, sem um diagnóstico médico de disforia de gênero, e apenas 20% a favor. A oposição aumenta para 66% no capítulo que baixa de 18 para 16 anos a idade para a mudança de gênero por autodeclaração.

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    Yousaf apoia a nova legislação, da mesma forma que diz ter apoiado a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo, do longínquo ano de 2014, embora o ex-primeiro-ministro Alex Salmond tenha dito que ele arrumou um pretexto para estar fora no dia da votação, para não ficar mal com a sua base eleitoral, então limitada à comunidade muçulmana.

    Sobre o caso de Isla Bryson, ele diz que se trata de alguém que estava tentando tirar vantagem do sistema, não de uma mulher trans validada, digamos.

    Sua primeira promessa como líder eleito do SNP foi levar uma Escócia independente para a União Europeia. Mau sinal: trocar a libra pelo euro não agradaria os econômicos escoceses, sem contar que o ingresso de países provenientes do separatismo, mesmo depois do Brexit, desmancharia um arranjo complexo e delicado. Espanha, Itália e França, para ficar nos principais, têm movimentos separatistas em variados graus e não querem saber de rachas nacionais.

    Hamza já usou roupa tradicional paquistanesa combinada com um xale no legítimo xadrez escocês, numa demonstração de que valoriza suas raízes e seu país. Qual traje usará na coroação do rei Charles III não deixa de ser uma especulação interessante. 

    E como se relacionará com Rishi Sunak? Cada movimento de ambos será perscrutado não apenas no Reino Unido todo como na Índia e no Paquistão, dois inimigos mortais. 

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    Os filhos de imigrantes, provas vivas da integração no ex-império, vão dançar um balé interessante.

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