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Nós na cabeça: erros e acertos dos que saem do lockdown

A melhor notícia é que não houve nenhum rebote grave; a pior, é que não existe fórmula mágica para administrar uma crise dessas dimensões

Por Vilma Gryzinski 11 Maio 2020, 07h41

Ingleses e franceses estão voltando ao trabalho hoje.

O que há de errado na frase acima? É tão abrangente que passa uma imagem muito distante da realidade.

A desativação da quarentena e a reativação das atividades normais – num mundo onde todos desconfiam que isso não existe mais – nos dois últimos países europeus importantes é gradual, hesitante, temerosa.

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Quarentena em descompasso Falta de consenso entre as autoridades e comportamento de risco da população transforma o isolamento numa bagunça. Leia nesta edição ()
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Os maiores obstáculos estão, por motivos óbvios, ligados a tudo aquilo que junta gente e aumenta o risco de novas transmissões: transporte de massa, locais de trabalho e escolas. 

As lições do que já entraram nesse rumo e dos que estão entrando agora podem ser úteis para os que ainda não chegaram lá.

A seguir, algumas delas.

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1- Efeito rebote

O mais difundido temor do fim da quarentena é que acabasse no pior dos mundos: um repique das infecções que obrigasse todo mundo a ficar trancado de novo, com efeitos mais deletérios ainda sobre economias já de joelhos.

Em todos os países onde houve rebote, foram episódios isolados e controlados em escala local.

Na Ásia, foi assim; está sendo assim na Europa. 

As intervenções localizadas estão funcionando. Na Coreia do Sul, mais de 2.100 bares e casas noturnas foram fechados no sábado depois que foi detectado um foco de contágio com essa origem. 

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O país é um dos exemplos positivos no controle do vírus e conta com uma capacidade avançada de detecção de doentes e identificação de contatos. Não precisou nem partir para a paralisação total. Agora, usa os mesmos instrumentos para as intervenções cirúrgicas.

O aumento das taxas de infecção na Alemanha, que provocou muita ansiedade, não indicou, ainda, uma nova explosão de infeções, como a própria primeira-ministra Angela Merkel receava (na Alemanha, também são os governos estaduais que têm alçada sobre o lockdown). 

O padrão geral é que o agora conhecido número R caia para abaixo de 1 (uma pessoa infecta menos de que outro ser humano e assim o vírus vai sendo contido).

Como a infecção demora de dez a catorze dias para se manifestar, ainda há uma margem para que o rebote venha à tona, causando a temida marcha à ré. Mas está ficando cada vez menor.

Estão ajudando as medidas básicas: uso de máscaras, respeito pela distância de segurança e  espaçamento das atividades. 

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Serão suficientes?

“Na verdade, nenhum de nós tem experiência com isso. Não sabemos exatamente o que é necessário”, analisou, para o site Times of Israel, o epidemiologista Yehuda Carmeli.

“Sabemos na teoria, mas não se os níveis de contato que estamos tentando agora é muito alto ou muito baixo. É por isso que existe tensão entre economistas e profissionais de saúde. Estamos numa encruzilhada perigosa”.

“Nós, profissionais de saúde, preferiríamos relaxar as restrições num ritmo mais lento. Mas a economia não permite”.

Israel está no grupo de países com desempenho bom no confronto com o inevitável: por volta de 16 mil casos confirmados e quase 240 mortes.

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O governo começou mal, e dividido, com o ministro da Saúde infectado depois de uma visita proibida à sinagoga, e agora está, tão discretamente quanto possível, cantando vitória.

No coração de um dos piores focos da epidemia, Nova York, com quase 22 mil mortes, um hospital que atende camadas desassistidas, o médico Samir Farhat, diretor de UTI, avaliou assim para o Telegraph o momento de refluxo da praga: “Abrir agora é um risco calculado que precisamos correr”.

“Não é sempre que concordo com Donald Trump, mas acho que deveríamos reabrir por volta de 15 de maio”.

Importantíssimo: o que pareceu, em certo momento, impossível, foi conseguido e a epidemia está refluindo consistentemente, caindo para a faixa abaixo de 300 mortos por dia – o mesmo ponto em que Itália, Espanha e França começaram o desconfinamento.

2- Ir e vir

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A logística para colocar menos gente num espaço maior nos meios de transporte coletivos é de deixar qualquer planejador louco.

A França, dividida em duas regiões segundo os níveis de contágio, criou um aparato burocrático minucioso e complexo.

Para tomar o metrô no horário de pico em Paris, por exemplo, o passageiro precisa de um atestado do empregador confirmando que seu deslocamento é necessário – fora motivo de saúde ou outros de força maior.

“Motivo profissional ou familiar imperioso” também é necessário para circulação num raio de 100 quilômetros do domicílio.

Como um dos últimos a entrar na quarentena e, agora, a começar sair dela, o Reino Unido enfrenta o atraso com com extrema precaução.

E até absurdos como a “recomendação” de ir a pé ou de bicicleta para quem tem que voltar a trabalhar fisicamente. 

Tem até uma verba de 2 bilhões de libras destinada a incentivar o ciclismo. O pobre ministro dos Transportes, Grant Schapps, teve que fazer o anúncio sem tremer diante do ridículo.

Houve reações nada simpáticas, para dizer o mínimo, entre aqueles que realmente têm que pegar metrô, trem ou ônibus para ir trabalhar e ficam com vontade de estapear políticos sem noção que não precisam de nada disso.

Outro problema: os sindicatos, aliados da oposição do Partido Trabalhista, estão sentindo o cheiro de sangue na água com a falta de direção do governo do primeiro-ministro Boris Johnson.

Já começou a aparecer a nova palavra de ordem: “Sem volta até que seja seguro”.

Um critério, evidentemente, impossível de ser atendido. Seguro total nem quando – e se – tiver uma vacina e 85% da população desenvolver imunidade.

O período de trégua concedido a Boris, que ficou de quarentena, depois foi internado com Covid-19, com risco de vida, e ainda tornou-se pai, não foi passado em branco pela oposição.

Principalmente agora, com um líder trabalhista viável, Keir Starmer, com estampa e discurso de primeiro-ministro, ao contrário do antecessor Jeremy Corbyn, e uma capacidade cirúrgica de fazer picadinho dos representantes do governo.

Motivos não faltam, com o comportamento quase anárquico de Boris. É palpável o medo que ele tem de errar e aumentar a conta que pesa sobre suas costas, seja ou não justo – mais de 30 mil mortes.

Até erro de data houve: ele disse que trabalhadores de indústrias e construção civil deveriam começar a voltar a trabalhar na quarta-feira (de carro, de bike ou a pé, uma maluquice), mas as estações de metrô encheram nesta manhã.

Erros básicos desse tipo podem ser um alerta para quem ainda não chegou lá, mas vai ter que chegar.

3- Volta às aulas?

Em todo o mundo, mães e pais estão divididos. Várias pesquisas indicam que, nos países “quentes”, com grande número de mortos, a maioria prefere continuar com crianças e adolescentes em casa, mesmo em prejuízo de sua educação.

E mesmo sabendo que o vírus tem poupado a faixa etária mais jovem, por motivos que ainda estão sendo estudados. Vários estudos indicam também que as crianças não são grandes propagadoras do vírus, como se acreditava no começo da epidemia.

“As pessoas ficam muito ansiosas com as crianças”, disse à BBC o mais importante especialista em estatística do Reino Unido, David Spiegelhalter, de Cambridge.

(O professor também esculhambou o governo Johnson como se fosse um Mike Tyson da estatística).

“Existem 15 milhões de menores abaixo dos 15 anos na Inglaterra e no País de Gales. Quanto morreram nesse grupo? Das mais de 30 mil mortes por Covid? Cerca de dois, do total de 10 milhões. É o risco mais baixo que se possa imaginar”.

Mas quem quer corrê-lo? Estatística é uma coisa, alta ansiedade é outra, principalmente se envolve os próprios filhos.

As medidas de higiene e o espaçamento entre os alunos, em operação ou proposição, são quase insolúveis, dependendo das instalações escolares.

Alternativas: retorno apenas das classes que estão em transição do primeiro para o segundo ciclo, rodízio de alunos, “biombos” de acrílico para separar os menores, prioridade para as crianças menores – inclusive para liberar o trabalho fora de casa dos pais. Até aulas ao ar livre, como na Dinamarca, aproveitando a primavera no hemisfério norte.

Na França, entre 80% e 85% das escolas serão reabertas hoje, mas com enormes restrições: máximo de dez alunos na classes de pré-escola e de quinze no primeiro ciclo.

Em Paris, a volta às aulas, na fase inicial, atinge apenas 15% dos alunos.

4- E daí?

Em todos os países que estão saindo da quarentena, as previsões mais catastróficas não se realizaram. 

Apesar dos números terríveis, os sistemas de saúde aguentaram o tranco, com episódios localizados de transbordamento, especialmente no manejo dos corpos das vítimas.

Respeitar os mortos, preservar tantas vidas quanto possível, retomar as atividades que são as colunas de sustentação das sociedades – e apertar os cintos pra o que vem pela frente – são os imperativos com os quais nos deparamos continuamente. 

Mentes brilhantes estão pensando o tempo todo como resolver essa equação, embora as ideias nem sempre sejam práticas ou exequíveis. 

Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro de Israel que, contra todas as possibilidades, continua no cargo, sugeriu simplesmente chipar adultos e crianças para dar um alerta quando o distanciamento de dois metros é infringido.

“Todas as pessoas, todas as crianças – e gostaria que elas sejam as primeiras – teriam um sensor que soaria um alarme quando chegamos perto demais, como os que existem nos carros”, disse. 

Dá para imaginar as reações, principalmente pelo que significa em termos de controle à la Big Brother e de risco de roubo de informações, inclusive por pedófilos.

“É fantasioso e perigoso”, disse o especialista em segurança cibernética, Einat Meron.

Algumas ideias são grandiosas como a de Paul Domer, Nobel de Economia de 2018 e ex-diretor do Banco Mundial.

“Este vírus estará circulando entre os seres humanos para sempre. Nunca irá embora. Precisamos aceitar isso e administrar a situação”, disse, numa formidável entrevista ao El País.

A proposta dele, dirigida para os Estados Unidos, onde pensar grande faz parte da narrativa, é cristalina: 100 bilhões de dólares para bancar 26 testes anuais de toda a população americana. Só assim é possível “isolar o pequeno número de pessoas que estão infectadas”.

“Sem uma estratégia para lidar com a incerteza, com o medo, de maneira digna de crédito, não haverá recuperação econômica”.

“Podemos imprimir todo o dinheiro que quisermos. Mas eu, por exemplo, não irei ao dentista enquanto não souber que ele não tem o vírus. O dentista tampouco não vai querer que eu vá sem ter a mesma certeza”.

Existe explicação mais simples do que esta? 

O problema é chegar aos 26 testes anuais para cada um dos quase 330 milhões de americanos.

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