Geert Wilders está há mais de vinte anos na política e sempre apareceu mais pelos discursos ferinos e a oxigenada cabeleira do que pela performance eleitoral. O que aconteceu que seu Partido da Liberdade, de repente, mais do que dobrou o número de parlamentares, elegendo 37 representantes, o que o torna o mais votado e apto a tentar uma coalizão – nada garantida – para formar o novo governo?
Até ele não sabe responder. “Ainda estou me beliscando”, disse sobre o resultado sem precedentes. Também se beliscando, mas no sentido contrário, deveria estar Mark Rutte, primeiro-ministro durante treze anos cujo estilo “conservador tão discreto que não dá para perceber” levou uma surra das urnas, caindo para o terceiro lugar. Não é uma forma gloriosa de sair da política, como pretende.
Depois da surpresa, correria atrás de explicações. A mais evidente é a mesma de muitos outros países europeus: os civilizados, ricos e tolerantes holandeses – 58 mil dólares de renda per capita – não aguentam mais a imigração em massa. É o mesmo problema de todos os países europeus e pode explodir de maneira inesperada, seja democraticamente, como na eleição na Holanda, seja descontroladamente como aconteceu ontem na Irlanda, com surto de violência e saques depois de correr que um argelino havia esfaqueado três crianças e uma professora em frente a uma escola.
Mas o problema não tem nada de novo e Rutte estava promovendo várias restrições ao sistema de pedidos de asilo, nada muito impressionante, mas na direção que a maioria da opinião pública deseja.
Escrevendo na Spectator, o comentarista Freddie Gray levantou até outra possibilidade: pesaram a eclosão do conflito entre Israel e o Hamas em Gaza e as manifestações de rua que exaltavam o grupo terrorista.
Como argumento, ele lembra que em 6 de outubro, o PVV, como o partido de Wilders é conhecido, tinha apenas 12% das preferências. “É cedo para dizer com certeza se esses protestos provocaram uma reação raivosa nas urnas e propeliram à vitoria um dos políticos mais explicitamente contra o Islã da Europa. Mas a coincidência parece evidente demais para ser ignorada”, especulou.
Wilders realmente pode ser qualificado como anti-Islã, que chama de ”ideologia de uma cultura atrasada”.
“Eu não odeio os muçulmanos, odeio o Islã”, costuma dizer.
Não é difícil imaginar os resultados. Desde 2004, ele vive sob proteção policial tão cerrada que só vê duas vezes por semana a própria mulher, Kristina Márfai, ex-diplomata húngara – aliás, muitas posições antiimigração de Wilders se coadunam com as de Victor Orbán, embora o primeiro-ministro da Hungria pegue mais leve e seja menos emocional que o holandês.
Wilders também quer um plebiscito para decidir se o país continua na União Europeia. “É o pior pesadelo da UE”, escreveu o Politico.
As pesquisas indicam que o voto pela permanência ganharia. Mas vá se saber o que os eleitores holandeses estão planejando em segredo?
Eles já pregaram um susto danado no establishment com a votação de um partido formado do nada por produtores rurais, revoltados com as medidas do governo para forçá-los a reduzir a pecuária e assim diminuir as emissões de gases condenados pelos padrões da UE. Agora, vieram com essa guinada em relação a um político que parecia ter virado parte da paisagem, tendo esgotado o fator choque há muito tempo (não para os fanáticos, obviamente: um jogador de críquete paquistanês ofereceu 20 mil euros a quem assassinasse o político holandês).
Hoje na Holanda, 21% da população é formada por imigrantes ou seus filhos, geralmente provenientes do norte da África ou do Oriente Médio. Incluem-se nessa fatia casos de sucesso como o de Dilan Yesilgoz. Nascida na Turquia, foi pequena para a Holanda, onde começou a carreira política na esquerda e caminhou para a centro-direita, tornando-se a substituta de Mark Rutte na liderança do Partido Popular pela Liberdade e a Democracia.
No começo da campanha eleitoral que culminou na inesperada vitória de Wilders, ela indicou que poderia se inclinar por uma coalizão com o PVV. Wilder também amenizou o discurso, parou de falar em proibir mesquitas e poderia até desistir do plebiscito sobre a União Europeia.
Não seria incrível ver uma coalizão liderada por uma política de origem turca e um opositor radical do Islã, sendo moderado pelas realidades de administrar um país? E se ele, em vez de loucuras, fizesse um governo sensato como o de Giorgia Meloni, eleita em circunstâncias similares, na Itália?