O juiz que pode mandar prender Trump e o promotor que só pensa nisso
Nascido na Colômbia, Juan Merchan tem um caso que ele próprio chamou de monumental, mas o trabalho de Alvin Bragg é altamente complicado
Trinta e quatro acusações é de abalar qualquer um — mas não quem conhece como trabalham os promotores dos Estados Unidos, eleitos pelo voto direto e especializados em acabar com a liberdade dos réus que não fazem acordos de leniência.
E até inocentes às vezes são conduzidos a estes acordos. Os números falam por si: em troca de penas relativamente menores, 95% dos acusados reconhecem a culpa antes de serem levados a julgamento. Aquelas cenas de filmes ou de séries, com advogados de defesa fazendo malabarismos para convencer os jurados e promotores se esforçando no sentido oposto, sob o olhar cheio de autoridade de um juiz, são uma exceção.
Donald Trump não vai fazer acordo nenhum, todo mundo sabe disso. Por isso, Alvin Bragg, o promotor-chefe com jurisdição sobre Manhattan, a ilha mais famosa do mundo, que foi chamado de “animal” pelo ex-presidente e colocado numa montagem — apagada — junto a um taco de beisebol, vai ter que mostrar trabalho com as 34 acusações alinhadas contra Trump.
Para enquadrá-lo num crime agravado, daqueles que dão cadeia, terá que provar que Trump não só sabia que estava infringindo a lei quando sua empresa falsificou registros comerciais para apresentar como honorários advocatícios o reembolso dos 130 mil dólares que seu advogado faz-tudo tinha pago à atriz pornô Stormy Daniels, como fez isso com o objetivo de beneficiar sua campanha presidencial de 2016.
A defesa de Trump alegará que o pagamento, em troca de silêncio sobre um encontro sexual no longínquo ano de 2006, foi um ato preventivo porque “sabia que haveria uma alegação pública” que criaria constrangimentos para ele e sua família. Em princípio, Trump nem reconhece que foi para a cama com Stormy.
O clima é tão explosivo e Trump está tão disposto a jogar líquido inflamável na fogueira que o antecessor de Bragg, Cyrus Vance Jr, sugeriu que os comentários agressivos do ex-presidente sobre o promotor justificariam, por si sós, outro processo contra ele.
Bragg, um jurista negro nascido no Harlem e formado em Harvard que tem cerca de 500 advogados trabalhando em sua promotoria, tem feito a única coisa lógica até agora: só falar perante o juiz.
E que juiz. Juan Manuel Merchan nasceu em Bogotá e foi com a família para os Estados Unidos aos seis anos de idade. Ele já julgou um executivo das empresas Trump, Allen Weisselberg, e disse que daria uma sentença maior do que os cinco meses de cadeia se o executivo financeiro não tivesse feito um acordo de leniência com a promotoria.
“ELE ME ODEIA”, postou Trump, em maiúsculas.
Estaria louco em ofender um promotor negro e acusar o juiz latino perante o qual se apresentará hoje?
A estratégia das pontes queimadas não é produto de maluquice, embora tenha muito do “instinto primal” que levou Trump à Casa Branca — e pode levá-lo também à cadeia, pois o atributo, típico dos líderes populistas que encontram um canal direto com as massas, funciona a favor e contra.
Trump faz tudo para se colocar como um grande perseguido político, uma vítima do sistema que ele indubitavelmente abalou quando foi eleito presidente. Sabe muito bem que Bragg e Merchan são da linha de juristas ativistas, simpatizantes de uma interpretação de esquerda do papel da Justiça. Desde que assumiu, em janeiro do ano passado, Bragg rebaixou a gravidade de 52% dos crimes que passaram por sua mesa (em compensação, a criminalidade aumentou 22% em Nova York).
Pelos caminhos mais tortuosos possíveis, Trump está onde sempre quis: no centro das atenções dos Estados Unidos. Seu trajeto na Flórida, numa comitiva de onze SVUs, rumo ao próprio avião, e a chegada em Nova York foram transmitidos ao vivo, evocando cenas do caso O. J. Simpson, o jogador de futebol americano que fugiu da polícia por causa do assassinato da mulher e de um conhecido dela (foi, famosamente, absolvido, num caso que comprovou como bons advogados convencem jurados do impossível).
O juiz Merchan proibiu câmeras de televisão na audiência de hoje. Só poderão entrar seis fotógrafos, trabalhando em sistema de pool, no início da sessão.
Segundo Michael Isikoff, um repórter — e antitrumpista — renomado, hoje trabalhando no Yahoo News, Merchan vai determinar a prisão de Trump. Mas o o ex-presidente não terá que fazer a fotografia que seus inimigos sonham em ver nem será colocado numa cela.
Se o caso contra ele não se sustentar, é razoável supor que estará reeleito em 2024. Na hipótese contrária, com um promotor e um juiz visceralmente opostos a ele, estará preso.
É possível inventar história melhor?