“A sociedade ocidental se suicida dançando”, ironiza o francês Patrick Buisson. Como intelectual conservador, ele é um crítico da modernidade, na qual vê decadência, individualismo e um buraco negro existencial deixados pelo abandono de milênios da estruturação social e moral do cristianismo. A crítica pelo lado esquerdo, ironicamente, quase se encontra com seu oposto ao prever um declínio inexorável do capitalismo e seu arauto, a maior potência da história da humanidade, na qual vê apenas os defeitos e nada da combinação sem precedentes de liberdade e prosperidade. Sob qualquer ponto de vista político, foi impossível não ler algum recado histórico nos acontecimentos das últimas semanas nos Estados Unidos, com americanos entredevorando-se à la terceiro mundo, incapazes de se livrar da “maldição de Donald Trump” — aconteça o que acontecer, falem de mim —, e a impressão de que o ex-presidente está sendo submetido a um processo deturpado. Único assunto a competir: a discussão propelida pela grande fabricante de calçados esportivos que usou o mesmo princípio — cliques, por favor — ao contratar uma mulher trans para promover roupas femininas de ginástica. Um fundo de verdade perpassa o delírio coletivo, com a justa defesa dos transgêneros tendo virado uma seita que exige adesão a princípios como intervenções médicas radicais em crianças.
“A China forma 4,7 milhões de graduados em tecnologia, engenharia e matemática”
Nesse pano de fundo, o acordo anunciado do governo brasileiro e insinuado por Emmanuel Macron de fazer transações comerciais “desdolarizadas” com a China desencadeou alertas sobre o fim do dólar como moeda de reserva — o fim do mundo como o conhecemos desde Bretton Woods. “Os boatos sobre a morte do dólar foram exagerados”, brincou Ian Bremmer, fundador do Eurasia Group. E enumerou os motivos que levam os EUA a manter uma moeda com credibilidade: as maiores forças armadas, as melhores universidades dedicadas à pesquisa, o setor privado mais inovador, abertura ao comércio e ao fluxo de capitais, banco central independente e políticas macroeconômicas sólidas. O que ele não disse: a China forma 4,7 milhões de graduados no conglomerado STEM — ciências da natureza, tecnologia, engenharia e matemática —, contra menos de 500 000 nos EUA. Sem contar que o mundo da ciência está sendo assolado pela mesma doença ocidental da autocrítica alucinada, com acusações de que a matemática, a física e outras áreas são racistas e sexistas. Quanto mais absurda a tese, mais sucesso faz na academia. Até a arqueologia entrou na dança, com a promessa de uma ala “anarquista” de não mais definir o sexo das ossadas antigas, pelo risco de designar erradamente esqueletos que tinham opção de gênero diferente do que os ossos e o DNA nos contam.
É esta a dança da decadência mencionada por Patrick Buisson, inspirado numa música cheia de gemidos de Serge Gainsbourg e Jane Birkin? Enquanto os americanos embriagavam-se de Trump e arqueólogos discutiam a opção de gênero de ossadas, Xi Jinping sapateava sobre as placas tectônicas da geopolítica, cerceava Taiwan e recebia homenagens de visitantes cada vez mais parecidos com vassalos. Tique-taque ou TikTok?
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2023, edição nº 2837