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Pós-debate: pontos fortes e os fracos de Donald Trump e Kamala Harris

O confronto acentuou lados positivos e negativos dos candidatos, ainda apertados demais nas pesquisas para se ter certeza do resultado

Por Vilma Gryzinski 11 set 2024, 06h32

Donald Trump pode ser insuportável, às vezes intragável, sujeito a ser atingido onde mais dói, a vaidade, e Kamala Harris está escondendo o que verdadeiramente pensa por trás de uma fachada de moderação centrista. Isso dizem eleitores dos dois lados.

O debate de ontem confirmou essas caraterísticas. Ficar fazendo expressões ensaiadas de irônica superioridade, como fez Kamala, não resolve o que os eleitores indecisos querem dela: posições mais claras.

E a vaidade, ou narcisismo, levou Trump a se enfiar em esferas que são menos importantes para sua campanha. A avaliação de Dan McLaughlin, que tem a vantagem de ser de um jornal que voltou a ser pró-Trump, o New York Post, foi direta. “Trump tinha por tarefa número 1 convencer os eleitores de duas coisas: que Kamala representa a continuidade das políticas fracassadas de Biden e que tende muito à esquerda”. O analista acha que se saiu relativamente bem.

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Mas Trump esteve longe de ser efetivo e Kamala aguentou bem. E os eleitores? Uma pesquisa instantânea da CNN com pessoas que assistiram o debate deu uma vitória de 63% para Kamala. Isso vai influenciar a eleição em si? Temos que esperar.

PELE DE LEÃO

O burro que representa os democratas e o elefante republicano foram criados no século XIX pelo mesmo chargista, Thomas Nast (que também plantou no visual coletivo as imagens do Tio Sam e de Papai Noel – isso sim é ser forte na identidade visual).

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Nast era um republicano à la Abraham Lincoln, mas como humorista não poupava seu partido, apresentado como um enorme elefante assustado, constantemente tomando o caminho errado. Os democratas simbolizados pelo burro dispensam explicações.

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Numa charge célebre da época em que trabalhou para a revista Harper’s Weekly, entre 1862 e 1886, o burro veste uma pele de leão e escoiceia o elefante intimidado sobre um abismo onde se veem placas com as palavras “inflação” e “reforma” (referente a práticas políticas nada transparentes da época).

Os partidos mudaram tremendamente – tanto que os republicanos, vitoriosos na Guerra Civil sobre os democratas do Sul que queriam manter a escravidão, hoje levam o frequente e ofensivo ônus de serem chamados de racistas.

O resumo a seguir dos pontos fortes e fracos dos dois candidatos à presidência, evoca essas imagens antigas.

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A FAVOR E CONTRA KAMALA

  • Traz uma imagem de mudança pelos conhecidos fatores: mais jovem que o adversário, filha de pai negro e mãe indiana, com carreira bem sucedida como promotora e senadora, tudo embalado pela ótima aparência, com as roupas bem escolhidas para combinar seriedade com estilo. Fora os sapatos de salto, da grife Manolo Blahnik (mais de 700 dólares por modelo), que parecem feitos para pisar no adversário. Ensaiou várias “sapateadas” no debate.
  • Os trumpistas tentam fazer com que essa imagem não descole da de Joe Biden, que tem um governo mal avaliado, com 54% de desaprovação. Não estão conseguindo emplacar completamente.
  • O índice de credibilidade é afetado pelos numerosos vídeos em que aparece defendendo posições muito mais de esquerda do que hoje apresenta, inclusive em questões vitais como cobertura de saúde (já se declarou a favor a eliminação dos planos privados, uma abominação para a América da liberdade de escolha) e operações de mudança de sexo bancadas pelo Estado para presos e imigrantes ilegais. Um companheiro de progressismo, o senador socialista Bernie Sanders, resumiu o espírito da falta de credibilidade com uma declaração que imaginava favorável a Kamala: “Não acho que ela esteja abandonando seus ideais, acho que está tentando ser pragmática para ganhar a eleição”. Lembra a teimosia dos burros.
  • Kamala tem o voto feminino no bolso dos terninhos chiques: uma pesquisa mais recente, da ABC News/Ipsos, dá a ela 54% dessa fatia primordial do eleitorado, contra 44% para Trump. É uma confirmação de que a maioria das mulheres continua numa posição em que precisa de um Estado protetor, o forte dos democratas, enquanto os homens valorizam mais a capacidade de trabalho e a iniciativa. A maior diferença entre o voto feminino e o masculino é na faixa dos homens de 18 a 29 anos (13 pontos a favor de Trump); e mulheres kamalistas também da geração Z (nada menos que 38 pontos).
  • Tem uma equipe de assessores “disfuncional”, com um clima de trabalho tenso e alta rotatividade. Várias das 22 pessoas entrevistadas pelo site Politico para uma reportagem a respeito disseram que ela é o pior tipo de chefe que existe: não assume a responsabilidade em questões sensíveis e culpa a equipe quando dá errado. O problema aumentou quando se fundiram duas equipes diferentes, a dela, como vice-presidente, e a estrutura herdada quando Biden desistiu da candidatura.
  • Tem muito mais dinheiro para gastar. Só em agosto, sua campanha arrecadou espantosos 361 milhões de dólares, quase o triplo dos 130 milhões em doações para Trump.
  • Com exceção da Fox News e de conhecidos sites trumpistas, como o Breitbart e o Citizen Free Press, a mídia torce abertamente por ela. O Drudge Report se transformou num órgão de propaganda democrata. Decretou o “fim” de Trump por ter dito que imigrantes ilegais estavam roubando e comendo cães e gatos em Springfield, Ohio. O entrevistador da ABC, David Muir, disse que não havia relatos do gênero na “comunidade de imigrantes”.
  • Kamala Harris não é Donald Trump (como repetiu durante o debate), o que conta para os eleitores que votariam em qualquer pessoa para não reeleger o ex-presidente.

A FAVOR E CONTRA TRUMP

  • Todas as pesquisas indicam que ele tem vantagem de até cinco pontos, segundo levantamento New York Times/Sienna, nos assuntos que são mais importantes para os eleitores: economia (56% contra 40% para Kamala) e criação de empregos, além controle da inflação e da imigração. Só perde para ela nos quesitos democracia e aborto. É um elefante que deveria estar eleito, mas a indefinição continua grande e o debate de ontem não o ajudou em nada.
  • Com a mídia, majoritariamente, trabalhando em peso para apresentar Trump como uma espécie de novo Hitler, a maioria dos eleitores discorda: acha que ele não é nem muito à esquerda nem muito à direita. E comparação, quase metade dos eleitores acha que Kamala é muito à esquerda e só 41% a veem como equilibrada entre os dois lados.
  • Apesar da campanha brilhante e cheia de dinheiro para apresentar Kamala como a candidata da mudança, 61% dos eleitores ainda acham que Trump é quem mais se diferenciaria de Joe Biden. Em múltiplos países, as duas décadas e meia desse século têm sido caracterizadas pelo desejo de mudança do eleitorado.
  • A personalidade e o comportamento de Trump, sem contar os processos, considerados uma forma de perseguição judicial maciça pelos simpatizantes, fazem enorme sucesso entre eleitores já trumpistas, mas dificultam que os menos convencidos se aproximem dele, relevem os defeitos e cravem seu nome em 5 de novembro.
  • Trump pode estar seguindo conselhos do filho caçula, Barron, e tem tentado furar a cortina de ódio da mídia mais tradicional com longas entrevistas a podcasters que falam ao público jovem. Neles, fala num estilo mais relaxado, mostrando menos dos conhecidos trejeitos e da vaidade adolescente, e até mais humanidade.
  • Mais de vinte integrantes do governo Trump têm feito declarações devastadoras contra ele. O seu vice, Mike Pence, disse que “não deveria ser surpresa” o fato de que não vai endossar o ex-chefe. John Bolton, ex-assessor de Segurança Nacional e ícone da direita neoconservadora, escreveu que Trump é profundamente autocentrado e despreparado para ser presidente. Outro ex-ocupante do cargo, o general da reserva H.R. McMaster, sibilou: integrar o governo Trump, dominado por uma “competição de sicofantas”, foi mais difícil de servir nas guerras do Golfo, Iraque e Afeganistão.
  • Trump tem uma tendência incontrolável, mesmo quando sabe que sairá prejudicado, a elogiar Vladimir Putin. Também começou a pender para o lado, extremamente equivocado, da direita que repete os argumentos da Rússia e detona a ajuda militar destinada à sobrevivência da Ucrânia, uma questão vital para os valores ocidentais e a estrutura de poder mundial comandada pelos Estados Unidos. Kamala aproveitou isso para espetar no debate ao dizer que, se Trump fosse presidente, Putin “estaria no comando em Kiev”.
  • Estilo caótico e de alta rotatividade quando foi presidente, menos descontrolado na atual campanha.
  • Uma quase inacreditável capacidade para fazer marketing de si mesmo, inclusive através do atentado que sofreu em julho. Pelo lado negativo, fala sem parar sobre o “milagre” até com jornalistas que sabe que vão tentar ridicularizá-lo. Ou talvez nem ligue para isso?

JOGO DO BICHO

Por causa de ambiguidades assim, fora, claro, a situação de empate nas pesquisas, é impossível cravar se vai dar burro ou elefante no disputado jogo do bicho de novembro. Uma mudança de apenas 1% nos estados-pêndulo pode mudar o resultado.

Os mais seguros se arriscam: Nate Silver, considerado um gênio das pesquisas, disse que há atualmente 63,8% de probabilidade de vitória de Trump, com ele levando todos os sete estados-pêndulo, aqueles que definem a eleição.

Mesmo que Kamala Harris tenha mais votos, como aconteceu com Hillary Clinton, no Colégio Eleitoral o candidato republicano ganha, banca Silver.

Isso foi antes do debate. E faltando 55 dias para uma eleição como nunca se viu antes: atentado, desistência de Joe Biden, candidatura sem concorrentes da primeira mulher considerada negra foram surpresas de abalar as estruturas.

Num reflexo dos tempos que vivemos, o debate praticamente ficou em segundo plano depois de mais uma surpresa, embora não do gênero “nunca teríamos imaginado”: Taylor Swift declarou apoio a Kamala Harris. Considerando-se as mínimas diferenças entre Trump e Kamala, são mais estruturas abaladas pelo poder das swifties de influenciar pais e avós. Quem sabe até prometendo ficar sem ouvir a cantora por algum tempo?

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