Quem precisa de black bloc quando tem Donald Trump numa reunião do G7?
Os anarquistas doidos por um quebra-quebra ficaram totalmente eclipsados pelas saraivadas disparadas por Trump para estontear os aliados europeus e Canadá, reforçados por dois estranhos no ninho, Jean-Claude Juncker e Donald Tusk, principais figurões da União Europeia.
O ataque a Trump tinha sido combinado. Emmanuel Macron disparou uns tuítes bravinhos e deixou a mão do presidente americano marcada com um vergão vermelho — uma repetição agravada e grosseira de infantilidade anterior.
Angela Merkel levou seu próprio fotógrafo para capturar as cenas em que ela e os colegas de plano parecem agressivamente intimidar Trump.
O olhar de ódio da foto acima não foi planejado, mas causa um contraste impressionante com a lágrima solitária que, segundo o edulcorado livro de Ben Rhodes, a primeira-ministra alemã tinha nos olhos ao se despedir de Barack Obama como presidente.
Justin Trudeau não usou fantasia, como na desastrosa viagem à Índia em que desfilou como num baile de carnaval, mas fez o falso.
Pela frente, tratou Trump como cortesia forçada, pelas costas encenou um defensor da pátria, papel sempre politicamente vantajoso, dizendo que o Canadá “não se intimidaria” com as novas tarifas alfandegárias impostas por Trump — o tema que, obviamente, provocou a tentativa de rebelião dos seis dos sete.
O bonitão canadense também qualificou as novas tarifas americanas de “ofensivas”, como se estivesse num jogo de croquet.
Tentar ganhar de Trump no próprio campo dele – tuítes enraivecidos, posturas agressivas e declarações idem – não parece uma boa ideia.
Um membro da comitiva de Trump referiu-se a um dos aviões mais impressionantes da Força Aérea americana, o “stealth”, aquele que parece um avião do Batman por causa do desenho imitando um morcego high tech para enganar os sistemas de detecção.
“Se eles achavam que iam passar um sermão em Trump sobre as glórias do livre comércio, levaram um certo susto. Trump entrou numa briga de revólver levando um bombardeiro stealth”, disse.
Especificamente, a declaração foi sobre o plano dos aliados inimiguinhos de acuar Trump com a defesa do livre comércio, um dos mais sólidos argumentos das vantagens do capitalismo.
O presidente respondeu que é exatamente isso que quer; inclusive, foi o que aprendeu na Wharton School, a faculdade de administração e economia.
“Vamos acabar com todas as tarifas, ter comércio totalmente sem barreiras. Mas também sem subsídios”, bufou.
Subsídios, especialmente agrícolas, são a base do complicadíssimo sistema da União Europeia. Sem eles, os produtos do países membros mais ricos, por mais alta qualidade que tenham, não teriam competitividade. As vacas que ganham salário na França são um exemplo extremo.
O Canadá também se protege. O exemplo mais flagrante que Trump sempre cita é a cadeia de tarifas de até 270% que protege a produção canadense de laticínios, frangos e ovos. “Nossas tarifas são em resposta aos 270% dele”, fulminou.
Trump mandou retirar o endosso americano à declaração final do encontro do G7, chamou Trudeau de “desonesto e fraco” por fazer “declarações falsas” depois que ele já estava fora do país e disse que os Estados Unidos não vão mais ser usados como o cofrinho da turma dos aliados.
Ah, sim, também avisou que mandou estudar tarifas sobre a importação de carros, um motivo a mais para azedar a expressão de Angela Merkel.
Para esclarecer: carros alemães têm 2,5% de taxa para entrar nos Estados Unidos; os americanos pagam 10% para fazer o trajeto oposto.
Será que Donald Trump pode aproveitar essa gana toda e empurrar Kim Jong-Un para um acordo de desnuclearização em benefício de toda a humanidade?
Nunca existiu uma cúpula como a de Singapura, com tanto em jogo e tantas dúvidas sobre o resultado.
E certamente nunca existiu uma reunião do G7, geralmente um tédio de declarações apaziguadoras sobre economia, como a que em que Trump tocou fogo no Canadá.
Incendiar e apagar incêndios são dois atos nos extremos do leque de opções que governantes precisam praticar com habilidade e senso de timing. Um eventual acordo com a Coreia do Norte depende do uso apropriado de ambos.