“É mais do que gostaria de saber”, foi uma das reações à informação que incendiou o reino sobre a hiperplasia de próstata do rei Charles, revelada na quarta-feira apenas uma hora e meia depois do comunicado sobre a “cirurgia abdominal programada” de sua nora, Kate, a princesa de Gales.
Na verdade, muita gente quer saber mais, principalmente sobre a doença da princesa, que vai exigir uma hospitalização prolongada, de dez a catorze dias, e dois ou três meses de recuperação em casa.
Histerectomia? Obstrução intestinal grave? Algum outro problema gastrointestinal que demande tanto tempo? Nada disso exige períodos tão longos até o pleno restabelecimento.
Todos os tabloides do reino querem atender a curiosidade do público. Qualquer coisa que, mesmo remotamente, possa afetar a atual posição que Kate tem como princesa de Gales, o futuro como rainha consorte e a importância para a popularidade da monarquia de sua beleza, sua elegância e sua confiabilidade vira uma razão de Estado.
O desejo de privacidade é compreensível, principalmente porque Kate passou por um trauma associado à hospitalização durante a primeira gravidez, com hiperêmese gravídica, um tipo de enjoo extremo que exige medicação na veia.
Uma enfermeira do hospital onde estava internada, Jacintha Saldanha, caiu numa pegadinha aplicada por um casal de humoristas australianos e deu algumas informações sobre Kate, acreditando que falava por telefone com a rainha Elizabeth. Profundamente abalada por um ato de ingenuidade, sem nenhuma culpa, a enfermeira de origem indiana se suicidou.
Que mulher grávida não seria afetada por uma tragédia tão próxima assim?
AMBULÂNCIA “SUTIL”
Os casos simultâneos dos problemas do rei e da princesa demonstram como o estado de saúde de personalidades públicas continua a ser um assunto que os mais sofisticados especialistas em imagem e comunicação ainda penam para resolver.
Até que ponto o direito à privacidade entra em conflito com a obrigação de transparência de quem tem que dar satisfação à opinião pública?
Um exemplo recente de erro flagrante, quase inacreditável, foi o do secretário da Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin. O general da reserva simplesmente escondeu, não só do público, como do presidente dos Estados Unidos, que havia sido internado no dia 22 de dezembro para uma cirurgia de próstata – no caso dele, por causa de um câncer, ao contrário da hiperplasia benigna de Charles.
A linha sucessória foi quebrada: uma substituta estava de férias, outra gripada e o mais poderoso complexo militar do planeta ficou, na prática, acéfalo, num momento em que a guerra de Israel contra o Hamas inflama todo o Oriente Médio.
Além de esconder a cirurgia de câncer, Austin também tentou manter segredo sobre uma segunda hospitalização, de emergência, por causa de uma infecção urinária decorrente da operação de próstata. Sua segurança pediu que a chegada da ambulância para levá-lo ao hospital militar Walter Reed fosse “sutil” – ou seja, sem sirene nem luzes. Ele foi internado na UTI e chegou a precisar de uma sonda para aspirar líquido abdominal, um sinal de que a coisa foi brava.
Austin teve que fazer um mea-culpa constrangedor, mas, na verdade, seria um caso de demissão por deixar o presidente Joe Biden numa posição exposta e o país desinformado.
FALSO BRONZEADO
Esconder problemas de saúde para não passar uma imagem fragilizada virou uma tradição americana à qual a era atual de transparência obrigatória pôs um fim. Muitos americanos nunca souberam que Franklin Roosevelt usava cadeira de rodas por causa de uma poliomielite sofrida aos 39 anos.
Nem que a imagem de saúde de John Kennedy era totalmente falsa. Ele sofria dores horríveis na coluna e se submeteu a quatro cirurgias, inclusive uma para hérnia de disco. Também tinha doença de Addison, uma disfunção nas glândulas suprarrenais que causa hiperpigmentação – a pele aparentemente bronzeada não vinha de sua aura como esportista e velejador, mas desse problema.
Hoje seria impossível um presidente sofrer um AVC grave, como aconteceu com Woodrow Wilson em 1919, com sua esposa, Edith, coordenando a armação para que a opinião pública nada soubesse. Incrivelmente, Wilson se recuperou e chegou vivo ao fim do mandato.
Em sinal de respeito, nem a incontrolável imprensa popular britânica fez especulações sobre a saúde da rainha Elizabeth, que morreu aos 96 anos “de idade avançada”, segundo o atestado de óbito. Numa biografia publicada depois de sua morte, em 2022, o autor Gyles Brandreth diz que ela sofria de mieloma múltiplo, um tipo de câncer ósseo.
“Deu um frio coletivo na espinha”, escreveu um dos especialistas em realeza do Daily Mail, Richard Kay, sobre a surpreendente operação de Kate e, ainda por cima, a cirurgia mais simples do rei, anunciada no mesmo dia. A princesa espera que o público compreenda “seu desejo de que informações médicas pessoais continuem privadas”, disse o Palácio de Buckingham.
O caso de Lloyd Austin acaba de demonstrar que isso dificilmente vai acontecer.