Donald Trump quer sair do hospital e nada mais compreensível do que isso. Já deu até uma “voltinha experimental”, de carro, para acenar aos que rezam por ele na frente do Walter Reed.
Com sua campanha em situação negativa, ele não quer perder a chance de virar o jogo.
A alta foi prometida, em princípio, para hoje, e os mercados já abrirem bombando na Ásia diante do prognóstico.
O problema é que a recuperação pintada pelo médico com cara de Tom Cruise, o atlético Sean Conley, um osteopata que foi chefe de traumatologia no Afeganistão, não bate com o tratamento com dexametasona a que foi submetido.
O medicamento, da família dos corticosteróides, é normalmente usado para pacientes que já estão em estado grave ou crítico, com os pulmões tomados pela inflamação decorrente da reação excessiva do organismo à presença invasora do vírus.
É claro que Trump não tem nada de um paciente normal.
E é claro que o choque de informações sobre seu estado de saúde criou uma situação mais anormal ainda do que a já estonteante contaminação do presidente a um mês da eleição.
Mais fora do normal ainda foi a atitude de seu chefe de gabinete, equivalente a um ministro de Governo, Mark Meadows.
Em lugar de minimizar a doença do presidente, para não falar em mentir na cara dura como fazem habitualmente os porta-vozes de políticos doentes, Meadows apresentou um quadro sinistro.
Apenas minutos depois da primeira entrevista otimista, embora um pouco atrapalhada, do médico do presidente, Meadows falou, como fonte não identificada, que os indicadores de saúde de Trump eram “muito preocupantes” e as próximas 48 horas “seriam críticas”.
É claro que o céu desabou sobre Washington – e o resto do planeta.
Os dez meses de epidemia já mostraram ao mundo, dolorosamente, como é difícil reverter o quadro de pacientes idosos que entram na fase crítica da doença – e mesmo para os que resistem, a recuperação é longa e sofrida, isso quando não deixa sequelas permanentes.
Tradução: Donald Trump poderia ficar simplesmente incapacitado de concorrer à presidência ou mesmo de exercê-la até a posse de seu substituto.
Meadows falou demais, foi sincero demais ou se atrapalhou com as informações?
Todas as hipóteses soam absurdas.
Trump tem se mostrado um paciente colaborativo, o que não significa se, caso esteja mesmo se sentindo melhor, vá deixar de forçar a alta.
Em termos políticos, está num momento de vida ou morte, com a eleição chegando e sua campanha paralisada; a nomeação de Amy Coney Barrett, cujo anúncio foi o fato gerador das infecções em série, ameaçada de não chegar a ser confirmada pelo Senado, e um círculo crescente de infectados na alta cúpula.
Tentar evitar a imagem de doença levou Boris Johnson a adiar a hospitalização por nove dias, quando já estava alquebrado e cambaleante, com a respiração entrecortada.
Foi para a UTI, recebeu suplemento de oxigênio e esteve muito próximo de ser entubado. Os médicos que atendiam o primeiro-ministro chegaram a discutir como eventualmente comunicariam sua morte ao público britânico.
Depois da alta, acompanhada logo em seguida pelo nascimento de seu filho, teve que tirar duas semanas de recuperação. Até hoje parece um pouco abatido.
Trump não pode se dar ao luxo – se tiver condições – de pegar leve nessa fase.
Apesar do estilo habitualmente caótico, também precisa de alguém que organize as informações, sob o risco de estremecer as bolsas e aumentar o clima de incerteza, prejudicando ainda mais uma campanha em que o adversário aumenta progressivamente sua vantagem.
É importante também que seja divulgada a versão mais parecida com a verdade sobre seu estado de saúde.
Estariam os médicos que o atendem excedendo-se no tratamento porque ele é presidente dos Estados Unidos?
O método do “tratamento igual para todos” procura justamente evitar que pacientes famosos sejam prejudicados por um excesso de medicina.
A única medicação mais convencional que Trump tomou até agora foi o Remdesevir, o antiviral desenvolvido pela Gilead para o ebola, mas que mostrou resultados contra o coronavírus desde o início da epidemia.
Trump também foi tratado com Regeneron, medicamento experimental que usa outro circuito para atacar o vírus: dois tipos de anticorpos monoclonais, um extraído do plasma de pacientes que se recuperaram da Covid-19 e outro de ratos de laboratório geneticamente modificados para emular a imunidade humana.
A dexametasona é o medicamento que cria mais dúvidas sobre o real estado do presidente.
Martin Landray, o médico de Oxford que conduziu o primeiro estudo sobre seu uso em pacientes em estado grave,, concluindo que reduz a mortalidade em até um quinto, analisou assim o caso:
“É um remédio muito bom para os pacientes certos. Mas não é eficaz em pacientes que não demandam oxigênio, ventilação suplementar e assim por diante”.
O presidente americano que mais usou corticóides, continuamente, foi John Kennedy.
ASSINE VEJA
Clique e AssineEmbora o mais jovem a ser eleito para a Casa Branca, com apenas 43 anos, ele também tinha a mais formidável coleção de males e dores que seriam paralisantes em pessoas normais: Mal de Addison, doença celíaca, hérnia de disco, desalinhamento do sacro-ilíaco e osteoporose – esta agravada pelos corticóides, cujos efeitos colaterais ainda não eram conhecidos.
Por causa da doença de Addison, que afeta a produção de cortisol, ele tinha um leve escurecimento da pele.
Kennedy parecia, assim, estar sempre levemente bronzeado e foi esta aparência saudável que contrastou com a expressão fechada e a barba por fazer de Richard Nixon no famoso debate de 1960.
Trump se recuperaria a tempo de participar do segundo debate, no dia 15?
Faltam apenas dez dias.
É praticamente uma eternidade diante do ritmo acelerado dos acontecimentos nessa campanha sobre a qual existe apenas uma certeza: o único assunto que domina todas as conversas e todas as mídias é Donald John Trump.