Simulação prevê perda de 900 aviões americanos em confronto com China
Invasão de Taiwan tornou-se o jogo de guerra mais comum simulado por especialistas e, apesar de infligir perdas devastadoras, chineses não garantem vitória
Qual foi o objetivo alcançado pela visita de Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos Deputados, a Taiwan?
Realisticamente, nenhum – nem sequer um votinho a mais de um eleitorado mais preocupado com inflação e recessão na eleição legislativa de novembro.
Em compensação, a China aproveitou a oportunidade para estabelecer o que os especialistas estão chamando de “novo normal”: avançar além da linha mediana, que separava implicitamente as águas territoriais de cada uma das partes, e disparar mísseis que simplesmente atravessam o espaço aéreo de Taiwan.
Apesar de seus 82 anos, Pelosi não demonstrou a sabedoria tradicionalmente associada aos mestres entrados na idade avançada.
Mas o fato é que, com ou sem Pelosi, o regime comunista chinês tem uma estratégia de longo prazo e ela definitivamente inclui a “recuperação” da ilha para onde os inimigos nacionalistas fugiram em 1949 e onde instalaram um regime econômico que ressaltava a miséria da China continental antes das reformas. Um novo “livro branco” sobre a questão diz que “nunca antes estivemos tão próximos, tão confiantes e tão capazes” de alcançar a reunificação.
Embora Sun Tzu tenha dito que “a suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar”, o regime chinês sempre se preparou para a alternativa oposta – e avança rapidamente para compensar as vantagens numéricas e tecnológicas das forças americanas que teriam a obrigação de reagir a um ataque à ilha, tacitamente colocada sob o guarda-chuva protetor dos Estados Unidos.
Não fazer isso seria renunciar ao posto de superpotência hegemônica e entregar o controle dos mares orientais à China. Não é uma alternativa viável para os Estados Unidos.
Especialistas reunidos pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais estão fazendo simulações de como seria o conflito por causa de Taiwan. Partem do princípio que a guerra seria em 2026 – praticamente amanhã – e aplicam diferentes modelos.
Os resultados só serão apresentados em dezembro, mas a Bloomberg já antecipou alguns deles.
Surpreendentemente, segundo o coordenador do estudo, Mark Cancian, Taiwan consegue repelir o ataque na maioria dos cenários.
“Mas a um custo muito alto para a economia e a infraestrutura de Taiwan e para as forças americanas no Pacífico”.
Em 18 das 22 simulações já feitas, Taiwan repele a invasão, aproveitando das vantagens do terreno – somente numa área restrita do sul da ilha existem praias que facilitam um desembarque anfíbio – e, acima de tudo, das forças americanas.
O “custo muito alto” mencionado por Cancian se traduz na perda de “mais de 900 caças e aviões de ataque durante uma guerra de quatro semanas”.
Isso equivale à metade das aeronaves da Força Aérea e da Marinha dos Estados Unidos (a Marinha americana é a segunda maior força aérea do mundo, depois da própria). Os chineses também afundariam “uma grande parte” dos navios americanos e japoneses.
“Mas os contra-ataques aéreos e navais dos aliados atingiriam a frota anfíbia e de superfície dos chineses, afundando eventualmente 250 navios”.
Faz parte dessas simulações usar uma linguagem bem direta que reflete apenas os quadros hipotéticos no campo militar.
Uma guerra desse tipo terias consequências devastadoras para as economias de todo o planeta, inclusive a da China. Se o bloqueio, agora suspenso, dos portos ucranianos no Mar Negro provocou uma crise internacional no abastecimento de grãos, imaginem uma guerra na região pela qual transitam 60% de todas as frotas marítimas comerciais do mundo.
Por que a China arriscaria o progresso econômico tão duramente conquistado e sua posição cada vez mais ascendente em termos tecnológicos, desde os celulares aos foguetes espaciais, por causa de uma ilha – ilhota, em termos comparativos – que não lhe causa problemas, ao contrário, tem canais de cooperação econômica muito mais amplos do que a hostilidade aparente faz supor?
A mesma pergunta teria que ser feita a Vladimir Putin em relação à Ucrânia.
Por que grandes países cometem atos flagrantemente suicidas é uma pergunta que os historiadores investigam desde a I Guerra Mundial, ao fim da qual nada menos do que quatro impérios tinham acabado (russo, alemão, austro-húngaro e otomano).
O emprego da palavra sonâmbulo para descrever os dirigentes dos principais países envolvidos numa guerra terrível, desfechada por motivos aparentemente frívolos ou até inexistentes, vem sendo ressuscitado por críticos do presidente Joe Biden.
O presidente tem a língua famosamente solta e já disse que “temos o compromisso” de defender Taiwan em caso de ataque chinês – a política oficial americana desde o estabelecimento de relações com a China continental é de “ambiguidade estratégica”, não dizer que sim nem que não quando o assunto envolve a segurança da ilha.
Douglas Macgregor, coronel da reserva que serviu no Departamento de Defesa no governo Trump, relembrou no American Conservative que o general Horatio Kitchener, chefe do estado-maior, avisou os membros do gabinete britânico no dia em que o Reino Unido declarou guerra aos impérios alemão e austro-húngaro, por imperativo moral, que o conflito duraria três anos e exigiria o envolvimento de milhões de homens em campanhas na Europa.
Durou quatro e matou quarenta milhões de pessoas (o próprio lorde Kitchener foi a pique com seu navio, como se espera de um comandante, ao bater numa mina alemã em 1916).
“Uma política externa e uma estratégia militar saudáveis devem envolver mais do que tratar cada conflito em potencial como uma grande causa moral em que todos os valores da civilização americana estão em jogo”, escreveu Macgregor.
“Em outras palavras, é preciso evitar gestos vazios que poderiam resultar num conflito militar para o qual as Forças Armadas dos Estados Unidos não estão preparadas”.
“Não tome a iniciativa de ações militares a não ser que o verdadeiro propósito do conflito resultante esteja claramente entendido, que suas exigências ao povo americanos sejam precisamente identificadas e que o fim do conflito seja não apenas definido como factível”.
Parece um recado a Nancy Pelosi, entre outros destinatários.
O autor apenas não diz qual deve ser a reação adequada quando – e não se – a China tomar a iniciativa e resolver que a hiperpotência perdeu os dentes. Ou pode ser desdentada.