Tirando do mapa: promoção de pessoas trans apaga até palavra “mulheres”
Para parecer que são antenados e “aliados”, muitos elogiam até a beleza inexistente da Miss Holanda e contribuem para discriminar mulher
A beleza está nos olhos de quem vê — todo mundo sabe disso. Num esforço movido por boas intenções, muitos que veem Rikkie Valerie Kollé querem se convencer de que a nova Miss Holanda é uma mulher bonita. Ela não é uma coisa nem outra, mas, contra todas as evidências que nossos olhos registram — mãos enormes, ombros musculosos, tórax masculino e feições que todos os procedimentos de feminilização não conseguem fundamentalmente alterar — é quase como se houvesse uma combinação mundial para dizer que ela é linda.
Parabéns a Rikkie por ter conseguido isso: não fez nada de errado, ao contrário, jogou o jogo de acordo com as regras e levou o prêmio. Teria que dar um duro danado para enfrentar um Miss Brasil Gay, mas essa é a vida. Talvez as regras tenham sido ligeiramente forçadas, considerando-se que a dona do concurso, Anne Jakapong Jakrajutapip, é uma mulher trans que fez fortuna por mérito próprio e hoje controla os concursos de Miss Universo, Miss USA e Miss Teen USA, todos domínios que já foram de Donald Trump — com uma atitude notoriamente invasiva em relação às beldades que passavam por seus palcos.
Mas quem acha que as palavras justiça e concursos de miss, uma invenção das primeiras décadas do século passado que continua a exercer um poderoso fascínio sobre muitos públicos, andam juntas deveria ter seu teor de ingenuidade checado.
O adjetivo mais usado em relação a Rikkie foi “histórico”, como se fosse uma grande conquista da humanidade. É mais uma prova de que a necessária disposição a acatar e respeitar todas as pessoas, inclusive as quem passam pela extrema complexidade de achar que nasceram com o gênero errado, está sendo transformada numa imposição absurda que chega ao ponto de discriminar as mulheres, oneradas agora com o adjetivo “biológicas”, com a invasão de esferas onde deveriam ter exclusividade e até com manifestações de desprezo muito mal disfarçadas.
A ridicularização do comportamento feminino virou um fenômeno nos Estados Unidos com a influenciadora trans Dylan Mulvaney, que se especializou em “incorporar” o supremo estereótipo de uma mulher burra e alienada. Deu errado no caso da cerveja Bud Light, que a contratou como promotora, mostrando que uma parte do público não se sente obrigada a aceitar esse tipo de imposição. Dylan teve uma crise, largou tudo e foi para o Peru, onde, entre outras observações relevantes, disse que viu “muitas lhamas”. A Bud Light caiu de cerveja mais consumida nos Estados Unidos para o décimo-terceiro lugar.
Mas o movimento para que todos repitam, incessantemente, que mulheres trans não têm absolutamente nenhuma diferença com as biológicas é forte. Até exaltar as trans em detrimento das originais virou moda. Exemplo rápido: o New York Times foi um dos muitos meios que se desdobrou em babação com a “histórica” eleição da Miss Holanda trans. Dias antes, havia publicado uma longa reportagem sobre a ginasta universitária Olivia Dunne, uma beldade de cair o queixo. Mas a reportagem a menosprezava várias vezes como “beleza feminina tradicional” — algo que para o Times tem o sentido de coisa errada. A reportagem praticamente a denunciou por ser bonita e sensual, e ganhar horrores com isso nas redes sociais. “Sexo vende”, bufou o jornal.
Olivia Dunne respondeu em tom nada temeroso — e sapateou em cima do conceito de “beleza feminina tradicional”, essa coisa a que o Times tem ojeriza, posando de biquíni, estonteantemente linda, para o número especial da Sports Illustrated.
Há mais do que conceitos de beleza envolvidos na questão. Por exemplo, uma organização beneficente britânica dedicada ao combate ao câncer de colo co útero simplesmente eliminou a palavra “vagina” de sua comunicação pública. A ideia é não discriminar mulheres biológicas que viraram homens trans. Para isso, o órgão genital feminino passou a ser tratado de “buraco extra” ou “buraco da frente”.
É um absurdo tão repugnante que até na enlouquecida Inglaterra causou repúdio. Disse Bev Jackson, de uma organização de lésbicas chamada Aliança LGB: “O fato é que mulheres têm vagina. É lamentável que alguém considere que isso seja ofensivo. Linguagens condenáveis que intencionalmente desumanizam as mulheres precisam ser rejeitadas por todas as pessoas razoáveis”.
Detalhe: a Aliança LGB acabou de ganhar na justiça o direito de continuar a ser considerada uma organização beneficente. Quem queria cassar essa designação eram organizações voltadas para pessoas trans.
Lésbicas e trans entrando em choque já são um clássico. Um dos desdobramentos mais inacreditáveis disso está nas denúncias de que autodesignadas mulheres trans que continuam a ser dotadas de seus genitais masculinos pressionam jovens lésbicas para que tenham relacionamento sexual com elas, sob risco de serem denunciadas como transfóbicas. O fato de que mulheres lésbicas não gostem do equipamento do outro sexo, e talvez por isso mesmo prefiram outras mulheres, é não só solenemente ignorado como considerado preconceituoso. A loucura chegou a esse nível.
E tem mais: a venerada universidade John Hopkins, templo da medicina avançada, passou a borracha na palavra “mulheres” e definiu lésbica como “um não-homem que sentem atração por não-homens”. Que tal?
Outro conhecido confronto, o de mulheres trans contra feministas chamadas de radicais transfóbicas (Terfs) por defenderem a exclusividade de espaços femininos como abrigos para vítimas de violência doméstica, ganhou um capítulo extra: uma pessoa que se identifica como Sarah Jane Baker, condenada a trinta anos de cadeia na sua encarnação masculina por tortura e tentativas de homicídio, apareceu na parada trans de Londres, recém-saída da cadeia, e discursou incentivando os presentes a “dar um soco na cara” das Terfs. Ou seja, um homem biológico com um prontuário de violência extrema promove publicamente agressões físicas contra mulheres. A pessoa, chamada Alan em sua identidade anterior, foi detida pela polícia por incitação à violência.
A ideia de que pessoas trans eram discriminadas e rejeitadas é coisa do passado nos ambientes modernos — embora, obviamente, muitos preconceitos persistam e tenham consequências abomináveis. Ser não binário, a expressão alternativa a não heterossexual, virou uma moda tão grande que, numa pesquisa recente, nada menos que 39% dos estudantes de uma das melhores universidades dos Estados Unidos, a Brown, se enquadraram na categoria.
Se quase 40% se declaram não-binários, não é mais uma minoria — embora haja especialistas que notam uma diferença entre dizer que não é heterossexual, talvez para não parecer retrógrado ou fora de moda, e realmente ter práticas sexuais equivalentes.
Não é um modismo sem consequências. Pressões nas redes sociais são consideradas o principal fator para o aumento desproporcional de meninas e adolescentes que passam a se declarar meninos. A decisão pode levar a tratamentos mutilantes, incluindo o uso maciço de hormônios e até mastectomias precoces. Meninas são consideradas mais suscetíveis a essas pressões, pela necessidade de aceitação pelo grupo, o que talvez explique também porque são mulheres biológicas as que mais fazem a “destransição”, o caminho de volta ao gênero original depois que a mudança provoca arrependimento e aumenta problemas psicológicos profundos.
Além de seguir instruções sobre como mudar o modo de se vestir, cortar o cabelo e se comportar, há orientações específicas. Um dos modismos do momento é dizer às meninas como “anunciar” a mudança de gênero à família, com um bolo de massa azul e cobertura cor de rosa e um bilhete dizendo “Papai e mamãe, vocês achavam que tinham uma filha, mas na verdade têm um filho”.
Atender aquelas pessoas que realmente sofrem de dismorfia de gênero e proteger as que são induzidas pela pressão social a fazer algo de que podem se arrepender no futuro exige um enorme e complexo esforço. O governo britânico, por exemplo, está divulgando novas orientações às escolas inglesas para incentivar professores a sugerir um período de reflexão aos jovens que surgem de repente com um novo nome e uma nova identidade — e não incentivá-los a fazer isso escondido dos pais, como acontece atualmente.
Não existem, obviamente, soluções mágicas: meninas mais sensíveis a pressões continuarão a ser incentivadas a “mudar de gênero”, um processo que as torna mais aceitas e populares entre as colegas dominantes, e jovens em geral que se sentem confusos sobre sua identidade podem achar que a transição é a resposta para suas dúvidas.
Rik que virou Rikkie, a Miss Holanda, começou a tomar bloqueadores de puberdade aos 12 anos e hormônios femininos aos 16. Fez a cirurgia em 2022 para se tornar “100% mulher” — o que, obviamente, é impossível —, mas está feliz, ganhou um título para comemorar e tem todo direito a viver como achar melhor. Conta que sofreu muito bullying na escola e chorava todos os dias. Esse tipo de tormento é cruel e deve ser combatido com todas as forças pelas pessoas decentes.
Colocar estupradores em prisões femininas ou esportistas com corpos masculinos em competições para elas, propor que mulheres sejam esmurradas, qualificá-las de “não-homens” e chamar seus genitais de “buraco da frente” não só não é a maneira certa de fazer isso como cria injustiças e perseguições em nome do combate a elas.