Ele já foi chamado de ingênuo, um cordeirinho feito de bobo pelo espertíssimo lobo Netanyahu, com quem deveria se alternar no governo numa das muitas alianças do passado recente.
Diante da gravíssima situação em que Israel foi lançado pelos maiores atentados terroristas de sua história moderna, Benny Gantz, general da reserva, um centrista que lidera o partido Azul e Branco, arriscou-se de novo: foi o único líder de oposição a entrar para um governo de união nacional.
Yair Lapid, o outro oposicionista convidado a integrar o governo de emergência, disse que só faria isso se Netanyahu demitisse os integrantes da linha duríssima, chamados de supremacistas judeus por seu radicalismo.
O gabinete de guerra agora é integrado por Netanyahu, Gantz e o ministro da Defesa, Yoav Gallant. Todos unidos pelo discurso de “varrer essa coisa chamada Hamas da face da terra”, nas palavras de Gantz.
É um trio unido pela necessidade, não por simpatias mútuas. Gallant chegou a ser demitido por Netanyahu, fez que não ouviu e foi “readmitido”. Gantz participava dos protestos intensos e constantes contra a reforma judicial pretendida pelo governo. Mesmo que tenha conservado algo da ingenuidade com que entrou na política depois de ter sido chefe do Estado Maior, o mais alto posto militar – e um que, em Israel, dá extraordinária visibilidade e projeção a seu ocupante -, ele com certeza sabe que o governo Netanyahu está condenado.
As cobranças pelo estado de desmobilização que permitiu os ataques, com 1 300 mortos, um número inconcebível em Israel, já começaram mesmo no calor de uma batalha que ainda deve demorar bastante tempo.
E não são cobranças retóricas. Familiares de feridos internados e funcionários de dois hospitais expulsaram, aos gritos, dois ministros que visitavam os locais. “Vocês arruinaram o país! Vá embora daqui”, ouviu a ministra do Meio-Ambiente, Idit Silman, que é do partido de Netanyahu, o Likud. “Não está vendo o que está acontecendo conosco”, gritou um dos familiares de vítimas dos ataques de 7 de outubro para o ministro da Economia, Nir Barkat.
As cobranças não só vão continuar como aumentar. Se Golda Meir, respeitada como uma espécie de matriarca da nação, foi responsabilizada pelo despreparo do país na guerra de 1973, imaginem a situação de Netanyahu, execrado por metade do país antes mesmo dos atrozes acontecimentos de sábado passado.
Pelo menos uma notícia razoável no show de horrores que emana constantemente da região: enquanto durar a guerra, não será apresentado ao Knesset nenhum projeto de lei sobre outros temas. Ou seja, a reforma do judiciário está suspensa.
Gantz garante ao governo uma representatividade maior, um contrapeso aos radicais e também a experiência de quem, na época da ativa, participou de duas campanhas em Gaza. Nenhuma, obviamente, comparável à atual e a suas motivações.
Um exemplo: Antony Blinken, o secretário de Estado americano que foi a Israel, disse que viu fotos mostradas por Netanyahu exibindo bebês crivados de balas, soldados decapitados e jovens queimados vivos. Ele também viu a foto de uma bebê de poucos meses, de macacãozinho curto, chacinada em Kfar Aza, com ferimentos no pescoço. Posteriormente, essa e mais duas fotos de bebês calcinados foram divulgadas à imprensa.
Essa é a situação com que Israel se depara hoje e ajuda a entender por que Benny Gantz está arriscando tanto ao entrar para o governo de emergência. Do seu ponto de vista, possivelmente, não tem outra opção.
“O mundo odeia um judeu que bate de volta. O mundo só nos ama quando tem pena de nós”, dizia Golda Meir.
As imagens horripilantes que emanaram de Israel nos últimos dias causaram muita pena a quem tem um mínimo de decência humana. Mas os homens que agora travam a guerra, Gantz inclusive, têm que pensar em bater de volta.