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Vexame na saída: Juan Carlos, um rei aposentado e investigado

Contas secretas na Suíça, maletas de dinheiro, comissões de príncipes árabes, uma ex-amante que sabe demais: será que o rei emérito fugiu para o Brasil?

Por Vilma Gryzinski 4 ago 2020, 07h26

Filhos que dão trabalho para os pais, metem-se e encrencas e sujam o nome da família pertencem à ordem natural das coisas.

Quando acontece o contrário, pode redundar no tumulto que acomete a realeza espanhola: um rei aposentado, mas ainda tratado como emérito, ter que sair para sempre do país em que chegou a construir uma estatura enorme pelo papel na redemocratização, tão especial que os espanhóis republicanos se esqueceram, ou prefeririam não lembrar, que era uma cria, literalmente, do caudilho Francisco Franco.

Quando seu filho leu a carta de despedida, que com toda certeza, “incentivou” o pai a escrever, Juan Carlos já estava fora da Espanha, levado pela “minha mais absoluta disponibilidade para contribuir e facilitar o exercício de suas funções, com a tranqüilidade e o sossego que sua alta responsabilidade existe”.

Tradução: vai ver se dá para enterrar as investigações e não respingar lama no filho, Felipe II, e na neta, a princesa herdeira Leonor.

A mulher, Sofia, que continua a morar no Palácio de Zarzuela, na prática já estava afastada há muitos do marido mulherengo que a submeteu ao vexame de sofrer um acidente quando fazia um safári com a amante, a loira e linda Corinna Larsen, tornando a história um escândalo público.

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Tudo pago com dinheiro de emires árabes loucos para agradar um rei tão simpático a eles, sempre evocando o passado comum da Espanha muçulmana.

Coisa pouca, só um desconto na licitação que conseguiu de uma construtura espanhola para obras gigantescas em Meca valeu ao rei um “presentinho” de 100 milhões de dólares da Arábia Saudita.

Pois é, o Brasil não descobriu a pólvora dos subornos e lavagens de dinheiro. E Juan Carlos tinha operadores bem mais chiques.

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A começar por Corinna, filha de um dinamarquês que foi diretor para a Europa da antiga Varig e divorciada de um príncipe alemão que lhe permitiu usar durante anos o aristocrático nome da família, Sayn-Wittgenstein.

Com segredos expostos por uma investigação Suíça, ela sustentou que os 63 milhões de dólares transferidos por Juan Carlos para contas dela foram apenas um “presente” pelos serviços prestados. Ou talvez ele pensasse “em me reconquistar”. Lavagem de dinheiro, nem pensar.

Outro operador de Juan Carlos foi Álvaro de Orleans-Borbón, primo distante do rei – todas as famílias reais são ligadas por laços de parentesco. As contas na Suíça estavam em nome dele.

Mesmo com uma árvore genealógica que se espalha entre príncipes e “altezas reais”, um testa de ferro é um testa de ferro.

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Juan Carlos, o orgulhoso descendente dos Borbons de Espanha, chegou a receber pessoalmente uma maleta com 1,9 milhão de dólares do sultão de Omã. Outro mimo: um apartamento no lugar mais chique de Londres, Belgravia, que vendeu por 50 milhões.

As revelações foram feitas por Corinna a um ex-investigador policial, Juan Manuel Villarejo, que circula em meios suspeitos e gravou as intimidades da ex-amante do rei.

Entre elas, a de que Juan Carlos tinha uma máquina de contar dinheiro em Zarzuela, o palácio no qual não viverá mais.

Quando as contas secretas começaram a ser investigadas, Felipe anunciou que abria mão, definitivamente, de qualquer dinheiro que o pai viesse a deixar para ele.

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Evaporaram-se assim 40 milhões de dólares de um fundo criado por Juan Carlos para dar um colchãozinho de segurança a Felipe,

Focado em ser um rei moderno e dedicado ao povo, sob aconselhamento da mulher, a ex-jornalista da CNN espanhola Letizia Ortiz, Felipe já cassou o título de duque e duquesa de Palma, presenteado a sua irmã Cristina e o marido, o basco Iñaki Urdagarin, este contemplado com uma temporada no sistema prisional por roubalheiras variadas.

Na Espanha onde o republicanismo é uma causa forte e até nomeou um dos lados da guerra civil de 1936- o lado perdedor -, a monarquia vive sobre terreno instável.

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Uma guinada mais forte à esquerda do que a atual e algum acontecimento telúrico, como a independência da Catalunha, podem provocar uma reviravolta constitucional e lá se iriam os reis para mais um exílio.

Juan Carlos amargou esse banimento, acompanhando o pai. Também sofreu um terrível trauma: estava com o irmão mais velho quando foi disparada, nunca se estabeleceu completamente por quem. Alfonso, que seria herdeiro da coroa, morreu aos 14 anos.

Quando Franco decidiu que Juan Carlos, o herdeiro de um trono então abolido seria criado sob sua supervisão, teve que largar a família e o pai. Só se tornou legítimo, do ponto de vista dinástico, depois que o pai abdicou em seu favor.

O desprestígio que o caso do safári africano acabou empurrando Juan Carlos a fazer o mesmo em benefício de Felipe.

Mas em lugar de se acalmar, continuou aprontando.

Numa cerimônia pública recente, não foi convidado para dividir o palco com o filho, como estava acostumado. Seu lugar era num balcão de convidados.

“Não vou ficar no galinheiro”, reclamou.

Agora, nem isso sobrou.

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