O avião como um novo cliente do agro
Com o SAF, sigla para 'Sustainable Aviation Fuel', o Brasil pode decolar para um futuro mais sustentável na aviação
O desenvolvimento de práticas sustentáveis, em vários setores da economia, tem despertado interesse global. Considerando que uma das principais atividades que contribui para a emissão de gases de efeito estufa é a queima de combustíveis fósseis, os serviços que utilizam dessa fonte são centro dos holofotes, como o setor de transportes. Aviões correspondem a 2% da totalidade de gases de efeito estufa emitidos no planeta, com possibilidade desse número chegar a 4%. Atrelado a metas globais de redução de gases prejudiciais para o planeta, o setor da aviação juntou forças com o agronegócio para a criação do SAF, abreviação para “Sustainable Aviation Fuel” ou Combustível Sustentável para Aviação.
O SAF é fruto das pesquisas realizadas para impulsionar o mercado de biocombustíveis e surge como realidade para os próximos anos. Assim como outros biocombustíveis, o SAF é produzido a partir de material orgânico de origem vegetal ou animal, mas destaca-se pela aptidão no uso de produtos ou subprodutos (resíduos de processos anteriores), tais como o óleo de cozinha usado, resíduos urbanos, gases residuais, resíduos agrícolas, outros óleos vegetais e o etanol. No Brasil, projetos para a produção do combustível a partir de etanol, resíduos da cana, chips de madeira e biometano estão sendo estruturados.
Os benefícios da adoção do SAF incluem: 1) por ser uma fonte renovável, dispensa a necessidade de utilização de recursos não renováveis, como os combustíveis fósseis (petróleo); 2) uma vez que utiliza alguns resíduos industriais como matéria-prima, contribuiu para que estes materiais não sejam dispensados no meio-ambiente, reduzindo contaminações e a poluição de ecossistemas; e 3) a queima do SAF emite menor quantidade de gases de efeito estufa quando comparados com os combustíveis convencionais utilizados na aviação (querosene). A adoção do “Sustainable Aviation Fuel” também promove benefícios sociais e econômicos, abrindo oportunidades de empregos nas cadeias produtivas que fornecem a matéria-prima, novas empresas e startups especializadas sendo criadas, atraindo investimentos internacionais e promovendo um fortalecimento da economia. Além disso, a redução das emissões de gases de efeito estufa gerará créditos financeiros ou ainda o pagamento por serviços ambientais no mercado de carbono.
Para o desenvolvimento do SAF, além das ações da iniciativa privada para captação de recursos, políticas públicas já estão em andamento, como a proposta do “Combustível do Futuro”. Desde setembro de 2023, o projeto de lei que institui o “Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação” tramita no Congresso, com metas para operadoras aéreas reduzirem as emissões de CO2 em 1% a partir de 1º de janeiro de 2027, por meio do uso de combustíveis sustentáveis. A proposta ainda projeta elevar o percentual em 1% ao ano, até atingir o patamar de 10% no corte das emissões, em 2037.
No Brasil, especialistas do setor enxergam a produção do SAF a partir do etanol (convencional de cana, milho, ou ainda o etanol de 2ª geração – E2G), como uma grande oportunidade de posicionar o país como referência na produção do biocombustível. O etanol pode ser convertido em SAF a partir de um processo denominado alcohol-to-jet (ATJ), que ainda não é realizado em grande escala de produção, mas abre portas para investidores do mundo todo.
Diversos setores da economia estão promovendo distintas alianças para atuarem nas efervescentes oportunidades desta realidade chamada SAF: empresas aéreas (Latam, Gol, Azul, entre outras internacionais); fabricantes de aviões (Airbus, Boeing, Embraer, entre outras); fabricantes de motores (GE, Rolls Royce, entre outros); agroindústrias e seu elo de produção rural (notadamente as grandes usinas de cana e de processamento de culturas), fabricantes de equipamentos (aqui vale destacar o grande cluster produtivo de Sertãozinho – SP, que vem se convertendo cada vez mais para a área de transição energética), empresas de tecnologias de transformação (de óleos em querosene e de etanol em SAF), do mercado financeiro e empresas internacionais, que entendem as regulamentações e tem acesso a mercados compradores.
A participação do Brasil como tradicional produtor de etanol, biodiesel e biometano abre grandes oportunidades para o SAF, com possibilidade de investimentos em novas plantas, gerando desenvolvimento econômico e social. A produção de SAF é outra área que o Brasil pode ter liderança mundial.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) da FGV (São Paulo – SP) e fundador da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em harvenschool.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves). Agradecimentos a Vinicius Cambaúva e Rafael Rosalino.