Na semana passada, tratei das dimensões da oposição. Entre elas, mencionei três que devem ser observadas com atenção diante dos desafios enfrentados pelo Brasil neste ano. São elas: a incompetência e a desorganização do governo; o “fogo amigo”; e as circunstâncias nacionais e internacionais.
Existe um otimismo natural ao se pressupor que o governo, conforme for ganhando experiência, poderá melhorar o seu desempenho. É certo admitir que isso pode acontecer. Contudo, é preciso considerar que a alavanca do período de graça dado ao presidente eleito quebrou e, sem ela, tudo o mais será difícil.
Com a alavanca quebrada e a inflação política em alta, o governo tem pela frente os seguintes desafios na agenda política: aprovação do marco fiscal; o financiamento do referido marco; a Lei de Diretrizes Orçamentárias; e a reforma tributária. Além disso, vai ter de lidar com a CPMI dos atos golpistas, que, certamente, consumirá energia do Parlamento. Não é uma situação fácil.
As circunstâncias externas prosseguem obscuras: recessão nos Estados Unidos; incerteza com relação ao sistema financeiro internacional; agravamento da invasão russa na Ucrânia; repercussões no Brasil das disputas entre Estados Unidos e China.
“Estamos em um regime de coabitação política em que um cônjuge não entendeu que está casado”
Já as circunstâncias internas não são menos desafiadoras: desemprego em alta; inflação teimando em não cair; dúvidas sobre as fontes de financiamento do marco fiscal; “fogo amigo” no interior do governo; disputas entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, entre outras questões.
Levando em conta a avaliação conjunta dos fatores mencionados, não seria impreciso dizer que o governo terá grande dificuldade para consolidar a sua narrativa. Com a possibilidade clara de o governo ser derrotado de forma relevante em suas agendas no Congresso Nacional.
Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) prometeu não “sacanear” o governo, mas isso não significa que ele vai apoiar de forma ampla e irrestrita a agenda do Executivo.
Tal situação revela que estamos em um regime de coabitação política em que um dos cônjuges ainda não entendeu que está casado e que, por isso, deve obrigações e compartilhamento de decisões com o outro. Para bons entendedores, não é difícil compreender a situação.
O governo Lula 3 precisará se reinventar para ter sucesso inconteste. E tal fato deverá ser considerado em breve pelo presidente e por seus principais ideólogos. A reinvenção passa pelo conserto da alavanca de Arquimedes, que representa, em sentido figurado, uma conciliação das agendas governamentais com as da maioria no Congresso. Passa também pela obtenção da confiança dos agentes econômicos.
Mas não apenas isso. O governo precisa se organizar melhor para mostrar o que já está fazendo. Deve evitar declarações estapafúrdias, bem como não se comprometer com plataformas que não conseguirá cumprir sem o apoio do Congresso. O Brasil de hoje é mais parlamentarista do que na época em que o regime era constitucionalmente parlamentarista.
Publicado em VEJA de 10 de maio de 2023, edição nº 2840