Nascido em 1791, o cientista inglês Michael Faraday teve um papel fundamental no estudo do eletromagnetismo e da eletroquímica. De família modesta, Faraday começou a carreira como aprendiz de encadernador, mas seu interesse pela ciência o levou a tornar-se um dos cientistas mais influentes do século XIX. Em 1836, Faraday realizou uma série de experimentos que demonstraram a eficácia de uma gaiola metálica na proteção contra campos elétricos externos, caso dos raios.
No experimento, que ficou conhecido como Gaiola de Faraday, ele usou uma sala coberta com folha de metal para mostrar que, quando ela era carregada eletricamente, o campo elétrico no exterior não influenciava o interior da sala. As cargas elétricas na superfície do lado de fora redistribuíam-se de forma a neutralizar os efeitos do campo elétrico externo, deixando o interior sem influência elétrica. É um efeito que ocorre quando caem raios nos carros.
“É preciso proteger as instituições de influências externas que poderiam desestabilizá-las”
Tal descoberta representou um marco na compreensão do eletromagnetismo e na demonstração prática do funcionamento dos campos elétricos. Sendo a Gaiola de Faraday um conceito originário da física, por meio dele faço uma analogia para refletir sobre certos aspectos do processo político. Ao considerar a política um sistema complexo, podemos entender as metafóricas Gaiolas de Faraday como estruturas essenciais à manutenção da estabilidade e da integridade desse sistema. Essas “gaiolas” seriam compostas por uma série de mecanismos legais e éticos desenhados para proteger as instituições políticas de influências externas que poderiam desestabilizá-las ou corrompê-las.
Exemplos desse mecanismo são as leis anticorrupção, as normas de transparência e de prestação de contas, os sistemas de fiscalização e controle, a separação dos poderes, entre outros. Essa metáfora pode ser estendida ainda para a esfera da opinião pública e da informação. Assim como a Gaiola de Faraday impede a penetração de campos elétricos, uma sociedade bem informada e crítica pode funcionar como uma barreira contra a desinformação e as narrativas, que, muitas vezes, visam influenciar indevidamente o processo político. A educação cívica, o jornalismo independente e a leitura reflexiva atuam como componentes dessa “gaiola” metafórica, protegendo o corpo político de manipulações antidemocráticas internas e externas.
Assim, a analogia com a Gaiola de Faraday oferece uma maneira útil de pensar as estruturas e as práticas que sustentam a integridade e o funcionamento saudável do processo político, enfatizando a necessidade de proteção contra influências externas que podem ser prejudiciais e a importância de manter e aprimorar, permanentemente, esses mecanismos de defesa. No dia 8 de janeiro de 2023, apesar da violência dos atos, da cumplicidade do governo que saía, da leniência do governo local e da grossa incompetência do governo federal que assumia, a nossa Gaiola de Faraday funcionou, nos isolando de consequências mais graves. Longe de ser perfeita, funcionou também quando testada no dia 7 de setembro de 2021.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875