A recente sucessão de eventos envolvendo o Poder Judiciário, que tem gerado atritos entre os altos escalões da República, está imersa em uma complexa teia de interesses e consequências no cenário político. Cada movimento teve um propósito específico, agradando a uns e desagradando a outros, e permitiu diversas interpretações. A aprovação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que restringe as decisões monocráticas do Supremo Tribunal Federal (STF) provocou um grande descontentamento entre os ministros da Corte e foi interpretada como um gesto do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em favor da ala bolsonarista da casa.
No entanto, a proposta angariou apoio para além do bolsonarismo. Os conflitos entre os poderes no Brasil têm sido marcados por questões controversas e tensões institucionais. Durante o governo passado, foram frequentes as tentativas de minar a credibilidade do STF e do Tribunal Superior Eleitoral, resultando em desrespeito a decisões judiciais e até atos de vandalismo. Na administração atual, as discordâncias, principalmente entre o Legislativo e o STF, intensificaram-se, com acusações mútuas de ultrapassar limites de competência e negligências no processo legislativo.
Há, de fato, um ressentimento significativo no mundo político contra o Supremo devido ao seu ativismo em questões políticas, além do descontentamento com a complacência das cortes superiores em relação aos excessos da Operação Lava-Jato no passado. Questões como a demarcação de terras indígenas, políticas sobre aborto, contribuição sindical obrigatória e a proposta de limitar o tempo de serviço dos ministros do STF podem servir como combustível para esses conflitos. Além disso, a proposta de emenda constitucional que permitiria ao Congresso anular ou modificar decisões do Supremo é vista como uma retaliação do Legislativo. Outros temas, como o controle de armas e o papel das Forças Armadas, também representam potenciais áreas de disputa.
“A solução dos impasses depende significativamente da habilidade dos líderes dos poderes em alcançar o entendimento”
É importante lembrar que o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, terá um papel fundamental na mediação dessas questões e na pacificação dos ânimos. Ele próprio, logo após assumir como ministro da Corte, criticou o ativismo judicial e defendeu a harmonia entre os três poderes com a máxima “cada um no seu quadrado”. Uma questão fundamental, porém, paira sobre as circunstâncias: qual é a definição exata de cada “quadrado” institucional?
Os limites entre as instituições no Brasil ainda não estão claramente demarcados. Anteriormente, vivíamos sob um hiperpresidencialismo que, com o tempo, perdeu força e foi contido pelo Poder Legislativo. O Judiciário, especialmente desde a ascensão do ministro Barroso ao STF, adquiriu um papel mais proeminente, decidindo, muitas vezes instigado por políticos e pelas circunstâncias, questões com amplas e delicadas implicações políticas. A curto prazo, não parece haver uma solução para as disputas institucionais entre os poderes no Brasil. Isso se deve, em grande parte, à tolerância da sociedade civil frente aos excessos cometidos pelas diversas esferas de poder.
Portanto, a solução dos impasses depende significativamente da habilidade dos líderes dos poderes em alcançar um entendimento mútuo e do discernimento da sociedade civil em se manifestar civicamente a favor do equilíbrio institucional. Ambas as condições não parecem postas.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871