A polarização política no Brasil exige um malabarismo específico para vencer as eleições presidenciais. Quem não tem habilidade para o malabar termina fora da disputa. Vamos aos exemplos. Jair Bolsonaro se elegeu em 2018 contando com votos da direita e do centro. Essa composição resultou do somatório da direita e dos antipetistas que não queriam a volta de Lula e cia. ao poder. Ao longo de seu mandato, Bolsonaro foi empurrando para fora de sua base eleitoral parte do eleitorado feminino, parte significativa de jovens e dos formadores de opinião. Os ataques à imprensa e ao STF geraram desgaste e transformaram muitos antipetistas em antibolsonaristas. Mesmo assim, empilhando erros e polêmicas desnecessárias, o capitão perdeu por muito pouco. A escolha de Lula foi, sobretudo, um repúdio ao então presidente, e não uma escolha feliz. O petista ganhou uma eleição por default. Sem alguns delírios nas últimas semanas antes do pleito, Bolsonaro poderia ter sido o vencedor.
Posto que tanto um quanto outro eram campeões em rejeição, no axioma do “mal menor”, diante do que temos pela frente, três aspectos se destacam. Bolsonaro, mesmo com sua industrial capacidade de se meter em confusões e de protagonizar atitudes no mínimo politicamente ambíguas, tem demonstrado uma resiliência eleitoral admirável. Dificilmente ele será candidato em 2026, mas poderá apoiar alguém. O segundo aspecto é que Lula, ainda que tenha conseguido alavancar um desempenho de razoável para bom em termos econômicos, apresenta índices declinantes de popularidade, o que indica que, para manter seu favoritismo, terá de se voltar para o eleitorado de centro. O terceiro aspecto é que a atual perda de apoio de Lula não significa, ainda, apoio a Bolsonaro.
“Lula e Bolsonaro agem como se suas teses e narrativas representassem as aspirações da maioria dos brasileiros”
No limite, bolsonarismo e lulismo competem contra si mesmos e a vitória de um deles será a redução da rejeição potencial que vierem a ter. O menos rejeitado será o favorito nas próximas eleições presidenciais. Em suma, o futuro do bolsonarismo, seja lá quem for o candidato, e do lulismo, considerando que o presidente disputará a reeleição, está no eleitorado que não morre de amores por nenhum dos dois. As eleições de 2026 ainda estão distantes, mas é certo afirmar que algumas condições para a vitória ou a derrota de Lula ou do bolsonarismo já estão postas. Curiosamente, Lula e Bolsonaro não atuam para capturar o eleitorado “nem-nem” e agem como se as suas teses e narrativas tivessem ampla transversalidade e representassem a maioria absoluta das aspirações dos brasileiros.
O resultado econômico, impulsionado pela maciça transferência de dinheiro público para programas sociais, é passado. Seu efeito político é relevante, mas não decisivo. A inflação baixa, que se mantém por meio de uma política monetária sabotada diariamente por aliados do próprio governo, tampouco é novidade. Não passa de obrigação. O crescimento econômico sem a sensação térmica de que tudo está bem melhor não agrada. Um certo amortecimento para os sucessos do governo Lula e a crescente sensação de insegurança podem apontar o caminho a ser trilhado pela oposição contra o governo, que precisará tirar coelhos da cartola.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2024, edição nº 2888