Em 2018, antes das eleições gerais, o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional propôs um debate aprofundado sobre as fake news no país. Como presidente do organismo, solicitei à assessoria legislativa do Senado Federal uma minuta de projeto de lei sobre o tema. Após debate no conselho, a proposta seria encaminhada ao presidente do Congresso, o então senador Eunício Oliveira, para ser transformada em projeto de lei.
A proposta era simples e, basicamente, visava a alterar dois artigos do Código Penal e um artigo do Marco Civil da Internet. Estabelecia penas para a divulgação de notícia falsa que pudesse corromper o processo eleitoral, bem como pudesse afetar a segurança pública, a saúde, a economia nacional ou outro interesse público relevante. No tocante ao Marco Civil, definia notícia falsa e responsabilizava o provedor de internet que não retirasse o conteúdo considerado falso a partir de ordem judicial específica.
Naquela época, o debate era nascente, mas o fenômeno já despertava preocupação. No entanto, e paradoxalmente, a imprensa reagiu mal ao texto que, na verdade, era apenas um anteprojeto a ser debatido. A imprensa, como se sabe, pode ser punida por publicar notícias falsas. Já as redes sociais, não. É inacreditável que a mídia não tenha percebido e se posicionado contra o tratamento desigual a que a lei submete seus jornalistas, não punindo adequadamente quem produz e divulga fake news.
“A cidadania depende mais da boa vontade das plataformas do que do peso da lei”
O anteprojeto de lei do Conselho de Comunicação Social não foi adiante. O debate foi embargado pela covardia de uns e a miopia de outros. Os danos que as fake news causaram ao processo eleitoral de 2018 são amplamente conhecidos. Caso o anteprojeto tivesse sido aprovado, o caos provocado pelas falsas notícias poderia ter sido menor. Apenas o debate engajado no Congresso permitiria ter coibido práticas disseminadas naquelas eleições.
Estamos em 2023, o debate continua rolando. E, de lá para cá, a imprensa perdeu receita e as plataformas se agigantaram, mas não respondem claramente às suas responsabilidades. A cidadania depende mais da boa vontade das plataformas do que do peso da lei. Por outro lado, na falta de uma disciplina legal abrangente, o Judiciário termina por assumir um protagonismo que deveria ser balizado por uma lei específica.
Recentemente, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, declarou que pretende aprovar um texto sobre o tema. Não é sem tempo. A iniciativa vem tarde, mas pode corrigir uma grave falha, criando uma lei que puna quem produz fake news e, sobretudo, faça com que aqueles que mantêm o conteúdo na internet, mesmo contra ordem judicial específica, assumam a responsabilidade legal por seus atos.
Vale destacar que a emergência das redes sociais é um fenômeno positivo. Serve, entre outras coisas, como canal de expressão de opiniões para muitos. Mas, sem existir um marco legal claro, abusos ocorrem. Em especial quando se usa o anonimato para difundir factoides, fake news e discursos de ódio. O texto ora em discussão na Câmara dos Deputados, cujo relator é o deputado Orlando Silva, foi aprovado no Senado em 2020. Já não é sem tempo que o debate deva ser concluído no Legislativo.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2023, edição nº 2834