Talvez poucas democracias no mundo sejam perfeitas — ou talvez nenhuma. Provavelmente, a democracia perfeita é uma utopia que nunca será alcançada. Pois, em se tratando da natureza humana, vários fatores afetam o comportamento dos indivíduos e terminam por afetar também a evolução dos sistemas políticos. Não devemos, portanto, ter elevadas expectativas com relação à evolução de democracia no mundo. As tensões atuais mostram como é difícil navegar rumo a um sistema político justo e desenvolvido.
O Brasil é uma democracia promissora, apesar dos evidentes defeitos e das narrativas exageradas pela polarização dos dias de hoje. Resquícios do autoritarismo de nossa formação ainda são entraves à realização do nosso ideal. Temos muito a evoluir e, para tal, o caminho do respeito à vontade da maioria e a nossa vocação para o diálogo devem predominar. Ao mesmo tempo, a dinâmica da construção de uma democracia é cheia de contradições e de tensões. Não é diferente no Brasil.
Em essência, o processo democrático é uma tentativa de controlar o caos de forma a gerar ordem, estabilidade, liberdade e desenvolvimento em um ambiente de criatividade e de diversidade de opiniões e interesses. Paradoxalmente, o caos que ameaça, se controlado, pode gerar sua essência libertadora. Do caos criativo podem surgir caminhos e aperfeiçoamentos.
“Resquícios do autoritarismo de nossa formação ainda são entraves à realização do nosso ideal”
O caos, como uma dinâmica, abre-se em oportunidades de progresso desde que esteja controlado, de modo a ordenar seus resultados. É como os motores a combustão, que fazem mover os veículos a partir de explosões controladas. O controle do caos é o caminho do sucesso em uma democracia. Eliminar a energia criativa de sua dinâmica é destruir a liberdade. Não controlá-la é permitir a anarquia. No equilíbrio entre criatividade, liberdade e ordem está a garantia de avanços em nossa sociedade.
A liberdade, como motor essencial do desenvolvimento econômico e social, deve ser o objetivo central do nosso processo democrático. Já a desigualdade, como entrave maior para o desenvolvimento econômico, deve ser combatida. Devemos tanto assegurar a liberdade quanto combater a desigualdade. Ambos os desafios se completam.
As eleições no Brasil são parte do caos controlado de nossa democracia. Mais de 150 milhões de eleitores podem ir às urnas. Cerca de 28 000 candidatos disputaram o pleito filiados a mais de três dezenas de partidos. O desafio de ordenar a disputa é imenso. Em especial, no sentido de conter arroubos autoritários que ainda sobrevivam em nossa cultura política. Outro desafio se relaciona às nossas instituições — em descrédito, elas demoram a dar as respostas de que a sociedade precisa para avançar.
As ameaças ao sistema democrático não se materializam apenas na forma de golpes de Estado. Mas, também, por abusos de poder, interferência indevida de um poder sobre os demais, proliferação de fake news, ativismo judicial, corrupção, corporativismo e patrimonialismo, entre outros. Todas essas expressões devem ser combatidas pelos campos democráticos da nossa sociedade. A maior das ameaças à democracia, entretanto, está em não ser eficiente. Em um mundo que se volta mais para os interesses do que para os princípios, a democracia deve estimular o sistema político a dar respostas claras e objetivas aos problemas dos cidadãos.
Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811