Em um mundo inundado por informações, a questão da liberdade de expressão é posta diariamente como um desafio para a sociedade. A intensificação do fenômeno das fake news — antiquíssimo, por sinal — é parte da complexidade do assunto. Objetivamente, a liberdade de expressão será tema essencial no processo eleitoral deste ano. Os vetores de intercessão estão tanto nas narrativas de campanha quanto nos aspectos regulatórios, bem como nas repercussões judiciais de ambos. Declarações do ex-presidente Lula de que a mídia eletrônica e as redes sociais precisam ser reguladas revelam a ponta mais visível do problema. Lula erra ao colocar ambas no mesmo patamar. A mídia já é regulada, com limites constitucionais e legais. Ir além é emular comportamentos ditatoriais. Já nas redes sociais a questão está na responsabilização de quem escreve. Todos devem ter a liberdade de se expressar, mas com a devida responsabilidade. Nos últimos tempos, a partir de episódios relacionados às eleições americanas, as redes sociais avançaram nesse sentido. Mas ainda devem à sociedade.
“As emissoras não podem ser objeto de retaliações que criem obstáculos à liberdade de expressão”
Aparentemente, o Tribunal Superior Eleitoral está atento e mais preparado para enfrentar os desafios das fake news no processo eleitoral. O aplicativo Telegram, depois de correr o risco de ser banido do Brasil, obedeceu a uma decisão do Supremo, ainda que a eficácia dessa decisão seja duvidosa. O enquadramento das redes sociais e dos serviços de mensagens não é tarefa simples. Já a mídia tradicional está mais exposta, visto que veículos e jornalistas são processados pelo que eventualmente escrevem. Na prática, a imprensa segue a lógica de que todo mundo pode falar o que quiser, desde que se responsabilize pelo que diz. Por isso esta revista tem um editor responsável e o colunista que aqui escreve também tem de se responsabilizar pela opinião que emite. O mesmo não acontece de forma harmônica nas redes. É uma assimetria grande e a questão deve ser seriamente debatida.
No campo regulatório, diversas concessões de televisão, com destaque para as cinco emissoras da Rede Globo, algumas da Record e da Bandeirantes, deverão ser submetidas ao processo de renovação. Elas vencem no dia 5 de outubro, três dias após o primeiro turno das eleições. O tema surge em um momento ruim pela potencial contaminação eleitoral. Afinal, os atuais ponteiros têm uma relação conflituosa com a mídia. Postos os problemas das redes sociais e da renovação das concessões, a reflexão a ser feita envolve a liberdade de expressão. Ela, sim, deve ser assegurada. Responsabilizar as redes e obrigá-las a seguir nossos preceitos constitucionais não significa obstruir a liberdade de expressão. Já politizar o debate da renovação das concessões pode se revestir de ameaça a tais liberdades. Há quem não goste da emissora A ou B, mas todas — de modo geral — exercem a liberdade de informar garantida pela Constituição. A questão deve ser tratada com responsabilidade pelos candidatos e, adiante, pelo Congresso. As redes sociais ampliam a difusão das informações e isso deve ser assegurado. Mas as responsabilidades devem ficar claras. As emissoras de rádio e televisão cumprem papel essencial na construção da nossa democracia. Não podem ser objeto de retaliações nem de regulações que possam criar obstáculos à liberdade de expressão e de imprensa.
Publicado em VEJA de 9 de março de 2022, edição nº 2779