Às vezes as desgraças não vêm sozinhas. Mesmo com uma gestão firme do Banco Central, reservas abundantes e geração de superávits cambiais, temos hoje um real superdesvalorizado. Para muitos, as trapalhadas do governo federal no campo político nos custam, no mínimo, 1 real na cotação do câmbio com o dólar. Também estão influenciando o valor da nossa moeda as idas e vindas nas discussões em torno da reforma tributária e o inesperado meteoro dos precatórios.
Acrescente-se que a reação sanitária à pandemia foi inconsistente diante da dimensão do problema. Como se não bastasse, podemos ter de enfrentar em breve uma crise hídrica que demorou a ser priorizada. A confluência da conjuntura trágica da Covid-19 e de suas consequências na cadeia de suprimentos com a gestão politicamente turbulenta de Jair Bolsonaro, entremeada de narrativas agressivas, resulta em um real desvalorizado, uma inflação crescente e mais incertezas no cenário econômico. Em tese, poderíamos ter o real cotado abaixo de 4,50 em relação ao dólar e um pouco menos de inflação.
Apesar da gravidade do momento, a pauta no país vem sendo dominada por anunciadas manifestações potencialmente agressivas no 7 de Setembro. Com quase 600 000 mortos pela Covid-19 e uma taxa de desemprego que pune mais de 14 milhões de brasileiros, provocar tensões não interessa nem ao país nem à cidadania. Fora isso, custa crer que o presidente possa se beneficiar eleitoralmente em 2022 do ambiente de tensão institucional provocado por seus aliados mais radicais em torno de agendas já superadas.
“Custa crer que o presidente possa se beneficiar em 2022 de um ambiente de tensão institucional”
Assim, não é apenas por causa do 1 real de desvalorização adicional de nossa moeda que devemos nos preocupar. O dramático é que tais circunstâncias nublam o cenário de consumo, a inflação e uma retomada do crescimento. Sobretudo podem afetar o ânimo de investir no Brasil, impedindo um círculo virtuoso e dificultando as reais chances de um crescimento vigoroso.
Considerando esse quadro, o governo entrará em ano eleitoral com elevada rejeição, eficiência duvidosa e imensos desafios. Até em sua base política há dúvidas de que Bolsonaro possa chegar competitivo ao ano que vem, ainda que consiga, por exemplo, aprovar um auxílio emergencial robusto. Em política, porém, tudo é possível. Até mesmo Bolsonaro dar a volta por cima. Se isso acontecer, não será, certamente, por um caminho populista e fiscalmente irresponsável. A autonomia do Banco Central blinda o país de aventuras tresloucadas e, no campo político, forças sociais pró-democracia se posicionam a favor da estabilidade e das instituições.
Vale lembrar um trecho do manifesto feito por entidades do agronegócio sobre o atual momento político: “Somos uma das maiores economias do planeta, um dos países mais importantes do mundo, sob qualquer aspecto, e não podemos nos apresentar à comunidade das nações como uma sociedade permanentemente tensionada em crises intermináveis ou em risco de retrocessos e rupturas institucionais. O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter”.
Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2021, edição nº 2754