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Judicialização política e social

País tem muito mais advogados que médicos para cada brasileiro

Por Murillo de Aragão Atualizado em 4 jun 2024, 09h19 - Publicado em 28 jan 2024, 08h00
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  • A judicialização da política e o tricameralismo são temas contemporâneos de grande relevância no Brasil. A primeira se refere à intervenção da Justiça no processo político. Já o segundo decorre da certeza de que tudo que for aprovado de relevante no Congresso será submetido ao escrutínio do STF. Embora o Judiciário tenha demonstrado ser ativo em muitas ocasiões, grande parte da responsabilidade por esse fenômeno recai sobre os partidos políticos.

    Um levantamento realizado por VEJA revelou que recorrer ao STF se tornou uma estratégia frequente entre os partidos quando eles estão insatisfeitos com as decisões do Congresso Nacional. Desde 2018, as legendas apresentaram nada menos que 807 ações de inconstitucionalidade para contestar leis aprovadas no plenário, anular decisões do Executivo e do Legislativo ou forçar governantes a agir. A pesquisa indica que mais de 75% desses processos foram iniciados por siglas de esquerda, após derrotas no Congresso ou negativas da União.

    Ainda que a maioria dos pedidos parta da esquerda, o recurso ao Judiciário parece ser uma estratégia adotada principalmente pela oposição ao governo de plantão. Uma ideia que ganha força nos bastidores da Câmara, com o apoio de seu presidente, Arthur Lira (PP-AL), e a simpatia dos ministros do STF, é limitar o número de legendas que podem mover ações de inconstitucionalidade no Supremo, estabelecendo critérios com base no número de parlamentares.

    “O contexto no Brasil é de litígios demais e médicos de menos. Fica claro que é preciso tomar medidas”

    No entanto, é importante destacar que a judicialização é um fenômeno nacional que reflete o comportamento da sociedade. Em 2022, os brasileiros ingressaram com mais de 31,5 milhões de ações judiciais, o que representou um aumento de 10% em relação ao ano anterior. No mesmo ano, tramitaram no Judiciário 81,4 milhões de processos, dos quais 17,7 milhões estavam suspensos, aguardando situações jurídicas futuras. Desconsiderando essas ações, ainda restavam 63 milhões de processos em 2023.

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    É notável que o país conte com 1,45 milhão de advogados ativos, o que significa um para cada 145 brasileiros, enquanto a carência de médicos é evidente, com apenas 545 767 para mais de 203 milhões de habitantes (portanto, 2,69 médicos para cada 1 000 cidadãos). A disparidade é agravada pela má distribuição desses profissionais de saúde pelo país — paradoxalmente, em 2021 havia 15 000 deles desempregados.

    O contexto no Brasil é de litígios demais e cuidados médicos de menos. Fica claro que é preciso tomar medidas para enfrentar a judicialização, e o Congresso tem papel fundamental nisso. O tema envolve ampliar as exigências para entrar com recurso no STF, intensificação do uso da tecnologia, coibição da litigância de má-fé e imposição de uniformidade nas decisões, sob pena de punição aos juízes, uso intensivo da mediação e fortalecimento do instituto da arbitragem, entre outras ações.

    Infelizmente — e apesar de altamente prejudicada pela excessiva judicialização —, não há mobilização significativa da sociedade para buscar solução para o tema, além de tentar contratar bons advogados. A OAB parece acomodada. O Congresso e o Judiciário precisam aprofundar a reforma iniciada com o “Código Fux”, o novo Código de Processo Civil que entrou em vigor em março de 2016.

    Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2024, edição nº 2877

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